“The Beatles” é uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos. Sim, há muitos que a consideram superestimada ou até plenamente ruim, apenas uma banda dos Anos 60 entre dezenas de outras infinitamente melhores que acabou por ser o centro das atenções com suas musiquinhas sobre amor, corações partidos e sonhos de juventude. Obviamente, há um mar de diferença entre esses temas de começo de carreira e o que veio mais tarde a partir de “Rubber Soul”, em 1965, mas não é como se isso fizesse a diferença para quem prefere julgar levianamente. Independentemente disso, o grupo surgiu como um tornado nos turbulentos Anos 60, mexeu com muita gente então e mexe até hoje. “Eight Days a Week – The Touring Years” conta parte da história do grupo.
O nome já diz tudo. “Eight Days a Week” é uma canção lançada no quarto álbum da banda, “Beatles for Sale”, e surgiu quando Paul McCartney perguntou ao seu motorista se ele andava trabalhando muito. O motorista respondeu: “Oito dias por semana”. Somando isso à segunda parte do título, “The Touring Years”, dá para notar para onde as coisas vão. Este filme de Ron Howard trata desde os princípios da banda tocando no Cavern Club de jaquetas de couro e jeans, em Hamburgo e posteriormente de todo o período em que a banda tocou ao vivo, até 1966. O trabalho era duro, as entrevistas eram numerosas e o tempo, escasso. Ser os Beatles envolvia muito mais do que usar cortes de cabelo parecidos, os mesmos terninhos, parecer bonitos para as câmeras e deleitar-se com o amor de milhares de garotas. Se alguém poderia dizer que trabalhava oito dias por semana, eram os Fab Four.
Pode-se dizer que o assunto é uma inclinação à parcialidade, que por se tratar de Beatles eu posso acabar gostando mais do filme do que um espectador que não tem amor algum em particular por eles. No entanto, o assunto específico de “Eight Days a Week” não é particularmente do meu agrado. Tudo fica mais interessante da banda começa perto do fim dos anos de tour. Não é porque os fatos mais populares sobre o grupo se concentram neste período de euforia e sucesso instantâneo que ele é melhor do que vem depois. De qualquer forma, foi aqui que nasceu a tal Beatlemania e foi mais forte, quando as pessoas lotavam casas de show, congestionavam ruas e choravam aos prantos como se alguém estivesse queimando viva a banda no palco.
Até assistir a “Eight Days a Week”, não havia nada de atrativo nesse êxtase claramente exagerado das garotas da platéia e menos ainda naqueles que se auto-intitulam beatlemaníacos décadas depois, chamando “I Wanna Hold Your Hand” de hino. Só não esperava que justamente essa parte fosse ser um dos lados mais positivos da experiência. Uma coisa é ler curiosidades na internet e pensar “Que legal”; outra é ver imagens em alta definição dos shows destacando o público ao invés dos quatro engomadinhos cantando “She Loves You” e “All My Loving”, o que seria o tipo de conteúdo mais clichê para se colocar em um filme desse tipo e faria dele apenas uma homenagem pouco empolgada a uma banda já discutida de mil e um jeitos. Assistir a centenas de garotas gritando no máximo volume que suas gargantas permitiam é, no mínimo, assustador. Já havia visto várias cenas do tipo — inclusive em shows dos Beach Boys, que causaram reações similares em seu começo de carreira — porém acredito nunca ter visto de uma forma que evidenciasse tanto a gravidade, por assim dizer, da situação.
É uma curiosidade comum que a platéia gritava mais alto que a música, tão alto que os próprios músicos não conseguiam escutar o que estavam tocando. Pode parecer absurdo para qualquer pessoa que tenha ido a um show nos últimos 20 anos, onde o murmúrio da platéia é facilmente afogado pelo som da música. Adicionando 30 anos nessa conta, por outro lado, já há uma realidade bem diferente. Naquele tempo, os amplificadores realmente não tinham poder e eram praticamente inúteis contra um público feroz, que parecia não estar nem aí para a música em si e apenas interessados em embriagar-se com o vislumbre dos ídolos apenas conhecidos em discos de vinil e fotografias de jornal. E isso é só começo.
Impressionante mesmo é ver a intensidade do fenômeno e mais ainda quando “Eight Days a Week” introduz suas imagens mais marcantes, o ápice dessa loucura: os shows em estádios. Depois de apresentações lotadas, finalmente chegou um momento em que as autoridades sugeriram que elas fossem feitas para um público gigantesco em um estádio de beisebol, o Shea Stadium; algo comum hoje e totalmente inusitado até então. Aí sim é bizarro como 50 mil pessoas se juntavam num coral de histeria para celebrar os Beatles, como o fenômeno parece ter ido longe demais a ponto do sistema de som da arquibancada ser usado para transmitir a música de forma péssima, mas como única alternativa possível. Essa é a concretização absoluta daquilo que tanto falam por aí, a representação definitiva do que parece ser exagero mesmo na palavra dos entrevistados. As gravações escolhidas por Ron Howard são suplementadas por depoimentos de estrelas como Whoopi Goldberg e Sigourney Weaver, garotas que fizeram parte da gritaria da época, e resultam numa abordagem menos tosca e senso comum da tal Beatlemania.
Quanto aos rapazes e os fatos girando em torno deles, há pouca novidade. Claro, há um pouco mais de profundidade nos depoimentos de gente como Larry Kane, que acompanhou a banda em tour diariamente nos Estados Unidos, e os próprios Beatles, que fornecem detalhes inéditos. Só há um porém. Não há como afirmar com certeza, mas a impressão esquisita deixada é que “Eight Days a Week” foi tratado como um projeto seguro, sem ousadia ou ambição notáveis; por isso há tanta coisa que já se conhecia e omissões de conteúdo negativo. O mais baixo astral que chegam é quando falam que George Harrison era o mais vocal sobre o estresse de tocar ao vivo, que parece mais uma aventura do que uma histeria com lados negativos gradativamente palpáveis — o que soa mais lógico. De qualquer forma, não há como dizer que é um filme minimamente perto de medíocre, apenas que possivelmente seja melhor aproveitado por quem não conhece a banda tão bem.