Gostaria muito de poder começar esta análise dizendo que “Control” foi uma experiência cinematográfica incrível, uma adaptação digna do legado musical de “Joy Division” em uma mídia diferente. Queria falar de como as músicas, ouvidas várias vezes antes do filme, ganharam uma nova vida na forma de personagens que viveram, pensaram, sentiram e, enfim, tornaram possível a criação de um material que não seria esquecido nas décadas seguintes. Mas, não, não posso dizer que sou o fã de “Joy Division” que encontrou seus sonhos num filme sobre o vocalista. Não porque a obra falha em tudo isso que acabei de descrever, e sim porque o contato mais próximo que tive com o grupo foi com seu sucessor, o “New Order”.
E o que diabos leva uma pessoa assim a procurar uma biografia sobre o vocalista da banda, uma vontade relativamente específica? Uma recomendação de um amigo, é claro. E não fico triste de saber que não posso sentir o mesmo que alguém que já conhecia a banda porque a perspectiva que surgiu em seu lugar foi muito satisfatória. Sem poder procurar fidelidade e aspectos específicos, o caminho foi entrar na experiência sem nenhuma bagagem e ver se poderia vir a conhecer algo novo com ela. Foi o que aconteceu. Se, por um lado, não foi possível apontarr que tal evento aconteceu de um jeito diferente, “Control”me entregou aquilo que eu queria: um retrato informativo, equilibrado, bem interpretado e representado de Ian Curtis e sua música.
Ian Curtis (Sam Riley) é um rapaz aparentemente sem muito na cabeça para quem vê de fora, especialmente seus pais. A falta de atividade exterior de alguém que fica deitado ouvindo rádio, fumando e esperando as horas passar até o cansaço chegar e o ciclo começar de novo pode denotar exatamente isso, porém existem sinais de que a verdade é diferente. As poucas palavras ditas ressoam e deixam os ouvintes inquietamente pensativos, não mais do que quando Curtis decide entrar para o projeto de alguns amigos, aquilo que viria a ser conhecido como “Joy Division”. Ironicamente, do mesmo lugar de que idéias incríveis saem, outras coisas menos elegantes também surgem: um lado abatido e decadente que assombra a carreira do músico.
É novamente aquela história do artista amaldiçoado e abençoado pelos próprios pensamentos. Na visão do povo, sua genialidade é alimentada pelo sofrimento e é seu trabalho que converte e alivia os sentimentos ruins. Sem um fardo mental, faltaria material para inspirar o artista a produzir. Esta noção já foi refutada e discutida diversas vezes, inclusive no cinema com o filme “My Week with Marylin“, e “Control” reforça que a relação entre doença e arte não é exclusiva. Ian Curtis é um símbolo trágico de que nada é tão simples em um mundo inconstante como o dos famosos, no qual as relações entre elementos sempre têm um quê de imprevisibilidade pouco lembrado pelas pessoas que os discutem.
O garoto no quarto escutando música, por exemplo, poderia ser visto como um vagabundo sem perspectiva de futuro profissional. Ninguém olharia para um cara jogado na cama e diria que ele seria um grande músico. Ou ainda, como alguém de tão poucas palavras e demonstrações de afeto poderia conquistar o coração de uma pessoa. Como o sucesso pode ser algo ruim sendo que tantas pessoas o almejam, sonham acordadas e perdem noites de sono pensando em como seria brilhante um futuro de riqueza, fartura e realização. Tudo isso é contraditório, no mínimo. Noções supostamente lógicas são desconstruídas e têm seus valores invertidos na história de uma pessoa que aparentemente nasceu fora da curva e nunca se encaixou direito. Talvez as histórias comuns sejam reservadas às pessoas comuns, a previsibilidade aos indivíduos que seguem as regras e costumes sem exercer sua individualidade e senso crítico.
Curiosamente, “Control” não é uma odisséia fantástica, intensa e excitante como a vida de uma estrela do rock que fica 72 horas sem dormir e cochila meia hora dentro da van antes do próximo show. Novamente, “Control” demonstra ser a antítese do tradicional ao contar a história de uma banda com 2 milhões de ouvintes mensais no Spotify, que tinha tudo para ser enérgica, e mostrar que ela é justamente o oposto. A rebeldia de Ian Curtis e do “Joy Division” é contida, quase abafada por uma personalidade introvertida e ritmos ligeiros sem denotar caos. Todavia, não preciso ressaltar como a música da banda consegue expressar a personalidade de seus integrantes. Impressionante mesmo é o fato da história ser feita de eventos simples, sem nada bombástico, e ainda assim conseguir ser impactante. Neste caso, faz todo o sentido que seja assim porque é narrativamente coerente com o mundo, personalidades e estilos de vida que os personagens levam.
A construção dessa noção de que tudo está no lugar e, mais do que isso, de que é eficiente em sua escala parcimoniosa também se dá pela interpretação engajante de Sam Riley. Assim como uma personagem fala, a distância acompanha o afeto; Curtis transmite que há conteúdo por debaixo de seu silêncio e de sua inatividade. Por parte de quem convive com ele, resta a incerteza, claro, a respeito da existência destes sentimentos, enquanto a audiência tem uma percepção mais avantajada de sua pessoa por acompanhá-lo em momentos íntimos e saber de tudo o que ocorreu no futuro. Ter acesso a essas informações confirma que a interpretação de Riley é certeira em focar na introversão curiosa, aquela que desperta o interesse dos outros ao redor e mostra que não haveria outro jeito de contar essa história.
O toque final em “Control” é a fotografia em preto e branco usada para um fim bem comum. Quantas vezes uma fotografia ou vídeo não ficou mais triste — usando o termo comum — em preto e branco? Uma praia de águas cristalinas e areias imaculadas, outrora uma fonte de relaxamento e tranqüilidade, adquirindo um ar sóbrio. É esse o efeito que a fotografia tem sobre lugares que já sofrem do tal clima londrino eternamente nublado. É uma beleza irônica, que representa justamente o maior paradoxo de “Control”. A beleza das imagens, o sucesso da banda, o aplauso dos fãs, o amor de uma mulher e a preciosidade de um filho tinham tudo para ser coisas positivas ao invés de um contraponto para verdades subliminares menos belas.