Não diria que faço parte da turma que acha “Sicario” genial. Sem dúvidas é um filme de competência notável e de visuais que dão um destaque inesperado às periferias e planícies desérticas mexicanas. Um punhado de poeira e umas árvores secas ganharam ares diferentes quando colocados sob a câmera de Roger Deakins e aliados a um poente púrpura, elementos que sempre estiveram ali e raramente eram capturados. Assim, apenas o estereótipo do horizonte mexicano vazio acabou ficando marcado na memória. E vale notar que também encontra-se uma discussão sobre moralidade, corrupção institucionalizada, crime em sua forma mais conhecida e sobre como tudo isso se sobrepõe em alguns casos. É uma bagagem e tanto para dar continuidade, tarefa que “Sicario: Day of the Soldado” não faz jus.
Mas tudo bem, pode-se argumentar que é válido que uma continuação escolha seguir um rumo diferente ao mesmo tempo que se localiza no mesmo universo. Por que não? A idéia pode ter sido fazer algo diferente desde o começo e expandir ou, ao menos, introduzir uma nova abordagem de algo já visto. De qualquer forma que se queira enxergar, “Sicario: Day of the Soldado” falha. É tanto uma decepção por não se equiparar a seu predecessor quanto um fracasso individual, não sendo satisfatório por si. E nem dá para dizer que havia potencial ou algo do tipo. Esquecendo do que veio antes, o enredo e as idéias desenvolvidas aqui são bem fracas e sem a substância que poderia ter feito todo o resto ser mais que uma bagunça largada.
Tudo começa com uma série de imagens de estrangeiros sendo contrabandeados ilegalmente para dentro dos Estados Unidos. A fronteira, patrulhada por helicópteros e viaturas terrestres, ainda assim é constantemente palco de tentativas de gente tentando entrar no país. Algumas conseguem passar a despeito de todas as adversidades; algumas delas também são mal-intencionadas, terroristas buscando ameaçar o povo dentro de sua própria casa. Cabe ao governo fazer algo a respeito, o que envolve as operações secretas de Matt Graver (Josh Brolin) e os talentos de Alejandro (Benicio Del Toro). Seus inimigos? Pode parecer os cartéis mexicanos e os traficantes num primeiro momento, mas a parceria poderosa logo vê que os oponentes reais são a burocracia e a politicagem dos homens públicos.
Uma das reclamações frequentes sobre “Sicario” foi o ritmo vagaroso demais e a aparente falta de acontecimentos, de emoção ou de algo mais ativo para ocupar a mente do espectador enquanto a história da protagonista era contada. No entanto, acredito que todos tenham gostado de quando essa calmaria finalmente deu lugar a um pouco de ação quando o personagem de Benicio Del Toro justificou sua fama como agente do governo, com arma na mão e algumas palavras reprimidas no peito há muito tempo. Tudo bem, foi uma sequência bem-vinda em uma obra que carecia um pouco de protagonismo à moda antiga: vingança, acerto de contas, frases de efeito e coisas do gênero. Sem ser espalhafatoso ou caricato ao mesmo tempo que tem o efeito desejado de resgatar a figura do típico herói de ação, o tal sicário — assassino profissional — fazendo o que sabe de melhor.
Mas e daí? O problema é que, aparentemente, a inspiração por trás de “Sicario: Day of the Soldado” foi apenas estre trecho breve do anterior; os militares entrando em ação sem estar totalmente de acordo com as regras, quando problemas são resolvidos sorrateiramente e seguindo o preceito maquiavélico de justificar os meios com os fins. Não querendo dizer que esta continuação interpreta mal o que foi visto antes, pois em nenhum momento apontam isso como a proposta principal e, bem, uma continuação tem toda a liberdade de expandir e fazer uma releitura do que veio antes. Nada disso muda o fato de que a escolha de conteúdo é fraca e consideravelmente mais pobre, vale dizer. Toda a discussão moral multifacetada dá lugar à troca de tiros e militares resolvendo problemas de um jeito rápido e direto ao ponto, cenas de ação e personagens explicando suas táticas e planos no lugar de boas atuações e indivíduos interessantes.
Ao invés de ser uma bagunça por abraçar coisas demais e não chegar ao fundo de alguma delas ou talvez estar mal concebida a nível de ausência de conteúdo, “Sicario: Day of the Soldado” decepciona porque é simplesmente simples demais. Os eventos escolhidos funcionam como história — originando conflito, cenas de ação, uma aventura, decisões tensas etc — e encaixam-se mais ou menos bem numa estrutura dramática ao mesmo tempo que cometem um erro gravíssimo: nunca empolgam. Assim, a questão não é algo como um clímax que surge fora de hora ou soluções milagrosas para os problemas, mas acontecimentos equivalentes a recontar qual a rotina de exercícios na academia para outra pessoa. Pode começar com o aquecimento, seguir com cargas mais leves antes de chegar nas pesadas, culminar na quase exaustão das últimas séries e finalizar mais tranquilamente com os abdominais. Dramaticamente, há progressão; realisticamente, é uma história sem sal.
Este é o equivalente militar das fofocas e histórias contadas diariamente quando conhecidos se encontram, aquelas que são ouvidas com um desinteresse maquiado de atenção e esquecidas assim que o próximo relato frívolo começa. “Sicario: Day of the Soldado” tem esse sentimento de que foi concebida sem muita paixão e, assim, chega e vai embora sem fazer nenhuma diferença na minha vida. Arrancam a premissa do nada para unir Josh Brolin e Benicio Del Toro em ação novamente e esperaram que fosse ser o bastante. Não foi.
1 comment
É de admirar o profissionalismo do Benicio del Toro, trabalha muito para se entregar em cada atuação o melhor, sempre supera seus papeis anteriores, sendo um dos meus atores favoritos. Eu adorei Sicario, assisti esta semana no hbo go brasil e me surpreendi muito. É uma excelente dica para quem gosta de uma boa produção. Super recomendo a todos, vale a pena.