O lado bom da era da informação é ficar sabendo de filmes como “Winchester ’73”, um faroeste que provavelmente passaria batido ou demoraria para ser descoberto com tantos outros mais populares no mercado. O primeiro faroeste de James Stewart num papel principal é também o primeiro da parceria de 8 filmes entre Anthony Mann e Stewart, que durou até 1955. Mais do que isso, é uma história que gira em torno de um elemento frequentemente negligenciado, que tanto faz parte do cenário e da atmosfera do Velho Oeste que mal se pensa sobre ele. Quem diria que um rifle poderia estar entre os assuntos principais de um filme?
O Winchester 1873. Tratado como um entre mil, o rifle é o significado de perfeição entre os amantes de armas de fogo.E Dodge City traz um concurso de tiro ao alvo que atrai dezenas de homens querendo tentar a sorte e ganhar o cobiçado rifle. Mas em vez de participar do torneio, Lin McAdam (James Stewart) está na cidade para caçar um de seus participantes. Dutch Henry Brown (Stephen McNally) é um bandido que atirou nas costas de uma pessoa querida para Lin e desde então tem sido caçado por ele. Quando os dois se encontram, o rastro finalmente fica quente e a perseguição, acirrada
Mas onde o rifle entra nessa história? “Winchester ’73” acompanha duas tramas ao mesmo tempo, que começam no tal torneio de tiro ao alvo. Caça e caçador se esbarram num mesmo lugar que, para complicar a situação, não permite que a situação seja resolvida porque armas de fogo não podem ser carregadas na cidade — talvez um precursor para o que se vê em “Unforgiven“. Ao mesmo tempo, a arma entra em jogo quando deixa de ser prêmio e vai ao seu primeiro dono, eventualmente passando de mão em mão causando infortúnio para quem tiver em sua posse. Assim, a trama ganha um novo personagem na forma do amado rifle causador de azar. Quando a história parece estar perdendo o foco ao deixar Lin McAdam fora de cena por muito tempo, logo surge um lembrete de que tais desvios fazem parte do plano, ao contrário de serem defeitos de roteiro.
Li certa vez que qualquer cena sem o protagonista é uma cena descartável num roteiro. E embora seja sensato dizer que o personagem principal é a principal ferramenta do contador de história na tarefa de transmitir valores, personalidade, significados e estabelecer uma conexão empática com o público, ela não é a única. Isso não é dizer que ela deve ser substituída completamente sem mais, longe disso. Ela pode ser uma ferramenta complementar na construção de um universo com mais do que personagens principais e missões bem definidas. No caso de “Winchester ’73”, uma de suas melhores cenas acontece entre o vilão, seus capangas, um dono de bar e um vendedor de armas, a qual provavelmente não existiria sem esta abertura de explorar outras partes do universo por causa de um simples rifle.
Se com esse arco do rifle passando de dono em dono “Winchester ’73” já é um filme bem enxuto, sem ele dá para imaginar uma obra direta ao ponto até demais. Haveria apenas a idéia de um personagem caçando o outro sem que se saiba o motivo até os momentos finais, a qual talvez ainda pudesse render uma boa história nas mãos de um bom roteirista. Mesmo assim, é difícil não imaginar um produto mais vazio tendo em mente o que se vê aqui. O roteiro se beneficia de uma liberdade maior que de costume ao poder deixar de acompanhar seu protagonista por um tempo para dar atenção ao rifle e a personagens que seriam apenas coadjuvantes de participação efêmera, entre eles os vilões, mulheres, soldados e até vendedores de armas. Estas participações maiores enriquecem o elenco da obra para além de papéis pontuais e bidimensionais, os quais são praticamente patrimônio do gênero por existirem tantos exemplos similares. Ao menos um pouco mais de desenvolvimento é possibilitado. Não chega-se no ponto de uma profundidade louvável, mas ao menos os pequenos elementos ganham mais tempo de cena e seus atores, consequentemente, oportunidades maiores de torná=los mais carismáticos.
Além do mais, isso possibilita cenas de ação adicionais, somando àquelas que já existiriam com o arco principal. “Winchester ’73” é um faroeste tradicional, então tiroteios e atos heróicos acabam sendo uma parte notável da obra, o tal do fator bangue-bangue. Sendo assim, mais personagens, mais situações e mais cenários resultam em ação mais diversificada, uma adição agradável por conta da direção organizada de Anthony Mann colocar cada elemento em composições balanceadas e criar uma noção perfeita da situação. Qual a geografia do terreno, quem está onde, quantos são os inimigos do outro lado, de onde eles vem… Parece o básico do básico, porém é algo negligenciado vez após vez entre tantas tomadas curtas de ângulos diferentes, por isso deve ser valorizado. Ligados intimamente à direção, a fotografia e o design de produção trabalham para criar imagens embebidas em contrastes harmônicos entre luz e sombra, figurino e cenário, entre personagens, a fim de criar imagens ainda mais claras e de elementos facilmente discerníveis.
O acréscimo de conteúdo que vem com o arco do rifle traz conteúdo extra e permite que “Winchester ’73” se expanda um tanto além da trama de vingança, mas ela ainda sofre um pouco por parecer comum a ponto de ser um pouco previsível. Não se trata apenas do conteúdo em si, pois a apresentação por vezes atrapalha na criação de algo que soe original. Por exemplo, histórias de vingança já existiam faz tempo em 1950 e continuarão existindo anos após 2018, mas deixar a audiência no escuro e revelar tudo no final é uma prática óbvia que “The Empire Strikes Back” fez muito bem ao elaborar em cima do padrão. Da mesma forma, é perfeitamente óbvio para onde as coisas caminharão quando o protagonista cruza caminhos com a personagem de Shelley Winters. Por consequência, muito do que acontece no miolo do filme perde impacto quando a conclusão do arco, que não tem motivos sensatos para existir, já é conhecida.
Pode parecer um pouco idiota elogiar tanto a presença de um rifle dentro da história, como se faltassem coisas para elogiar e desculpas fossem buscadas para continuar falando bem. No entanto, foi justamente a atenção que outro crítico deu ao tal rifle anos atrás que me fez ter interesse por “Winchester ’73” em primeiro lugar. No geral, trata-se de uma história curta de 92 minutos que, embora familiar em alguns pontos, não se deixa cair na mesmice por ter alguns truques na manga, entre eles a liberdade de desviar a atenção para longe do protagonista e mostrar o que acontece em outra parte do mundo. O resto dos diferenciais ficam a cargo da equipe técnica e Anthony Mann, principalmente.