Bons diretores estão aos montes por aí, mas nenhum como Billy Wilder. Filme após filme o cineasta surpreende por não apenas ter um estilo característico ou trabalhar com um ator várias vezes, o que chama atenção para seu trabalho são simplesmente seus filmes estupidamente bons. “Witness for the Prosecution” parece ser só outro filme de advogado, um dos clássicos, para a infelicidade dos espectadores que não gostam do preto e branco. Não. Além da genialidade de Wilder no roteiro, o longa conta também com a mão de uma escritora quintessencial: Agatha Christie. É a soma de esforços de dois dos maiores nomes do cinema e da literatura em um sensacional drama de tribunal.
WIlfrid Roberts (Charles Laughton) é um beberrão, entusiasta de charutos e praticante do linguajar afiado, que recentemente se recuperou de um coma decorrente de seus vícios. Ele é também um dos advogados de defesa mais respeitados nas cortes da Inglaterra, onde ele põe suas palavras para um uso melhor que alfinetar os outros. Logo no primeiro dia fora do hospital, ele recebe a visita de um procurador e seu cliente, acusado de assassinar uma viúva rica por seu dinheiro. Inicialmente, ele segue a orientação de sua enfermeira e passa o trabalho para seu parceiro de escritório, mas conforme o caso se mostra progressivamente unilateral e difícil, Wilfrid se interessa. Como era de se esperar, não demora para ele acender um charuto escondido e tomar as rédeas do caso.
A história de Agatha Christie e roteirizada por Billy Wilder, como já mencionado, é o coração desta obra. Não há efeitos especiais ou estrelas de grande porte, apenas uma história bem escrita e contada. Sua estrutura mostra Wilder em sua melhor forma, tornando a história interessante de uma forma ou de outra, independente do contexto. Por este motivo, me pego pensando no porquê chamam obras nesse estilo como um filme de advogado, ou drama de tribunal, sendo que a maior parte se passa fora da corte. Independente de minhas ponderações, acredito que esta capacidade de tornar o resto do bolo interessante, não só a cereja, seja um dos maiores atrativos visto aqui. Nos momentos em que o protagonista deixa de lado sua peruca de advogado, o espectador não sente falta ou ansiedade por um interrogatório entre promotor e acusado, o roteiro segura a barra e expande um crime sem se tornar exaustivo. Essencialmente, tirando dois flashbacks que dão um insight maior sobre eventos passados, tudo que se passa antes do tribunal se resume a cenas pouco ambiciosas, mas de extremo bom gosto, que vão preparando o espectador aos poucos para o grand finale. A qualidade é tanta que a MGM, sabendo da jóia que tinha em mãos, colocou um aviso nos créditos pedindo para que a audiência não revele o final para quem não viu.
Como numa história de Agatha Christie, muitas das revelações ficam para o final. Boa parte do longa é usada para colocar as peças no tabuleiro e aos poucos o espectador descobre para onde cada uma vai; até que a genialidade da história vem com tudo e nem se dá o respeito de dar o xeque mate, apenas chuta o tabuleiro para acabar com a tranquilidade. Um chute talvez seja uma metáfora exagerada, pois assim os pontos de virada apenas desorganizariam a trama gratuitamente e não é bem isso o que ocorre. Wilder entrega em seu roteiro o poder de um estrondo com a precisão de franco atirador, dispondo brechas entre expectativa e resultado tão bem que elas transparecem além da história e atingem os personagens, em especial o protagonista.
Não entendo como a publicidade deste filme focou tanto em Tyrone Power, o acusado do crime, quando a estrela aqui é Charles Laughton. No ano seguinte, Laughton foi indicado para o Oscar enquanto Power ficou de fora, mas foi o nome do último que permaneceu grande nos cartazes e na divulgação geral do longa. Sua performance não é ruim. Ela tem alguns momentos exageradamente dramatizados, provável reflexo do material base ser uma peça de teatro, que hoje em dia carecem do impacto que outrora teriam, porém no geral não são nada que incomode, nem que se compare ao espetáculo dado por Laughton. No tribunal, sabe-se bem que o jogo de palavras é o que reina. Qualquer frase ou pergunta mal formulada dá brechas para a oposição, que pode virar o jogo tão facilmente quanto uma pessoa escolhe uma palavra errada. Para Wilfrid, no entanto, o modo advogado está ativado o tempo todo. Logo no começo, seu diálogo afiado extravasa empatia mesmo quando as palavras não tem simpatia alguma. Sua petulância e insistência em tirar o chão dos outros por pura diversão cria um ar de bom humor em torno do personagem e um alívio cômico do tipo mais inteligente.
Novamente Billy Wilder coloca o pé na porta e mostra para o mundo seu talento. Depois de assistir a “Sunset Blvd“, pensei que o longa seria, de certa forma, o ápice da carreira do cineasta, que o resto de seus longas não atingiria o mesmo nível. Felizmente, estava enganado. ‘Witness for the Prosecution” está no mesmo patarama que a obra prima de 1950, garantindo uma posição entre os melhores da história facilmente.