Esta foi uma das vezes em que fui enganado por descrições vagas. O site do festival apontou “História da Noite” como o fruto dos passeios noturnos de Clemens Klopfenstein por meia centena de cidades européias ao longo de 150 dias. Como resultado, algo belo e assombroso surge do clima do filme e o espectador acaba encontrando traços de vida em qualquer lugar que procure. Definitivamente não é uma história de mocinho e vilão ou um melodrama. Talvez um documentário. É o mais próximo que se chega de categorizar esta obra, que nada mais é do que um registro da vida construído por tomadas de, no máximo, 22 segundos.
Por quê? O diretor registrou seus diversos passeios com uma câmera de mão cujos rolos só gravavam 22 segundos de filme. Ele andou pela Europa toda e gravou o que achou interessante. “História da Noite” pode ser definido certeiramente como as gravações doe coisas que o cineasta presenciou em seus passeios noturnos. Literalmente, como pegar uma câmera, apertar o botão de gravar e sair por aí. Depois sentar numa moviola e montar um longa metragem mais ou menos coeso usando tomadas de lugares diferentes, as quais têm apenas o fato de serem gravadas durante a noite como ponto em comum. É um conceito forte o bastante para um longa-metragem? Não tenho tanta certeza.
Um problema que pode-se apresentar na hora de analisar esse filme — preconceito, na verdade — é achar que passeios de madrugada não podem render nada interessante. Há quem diga que as cidades vivem de verdade durante a madrugada. Eu mesmo acho que passear de carro ou moto quando não há nenhum sabiá acordado é uma das experiências mais subestimadas de todas. Poder andar numa via rápida sem preocupar-se com algum possível imbecil dirigindo mal, sem ter que frear e retomar o ritmo repetidas vezes é algo que mais gente deveria tentar. É fácil não gostar de dirigir quando se tem pressa ou algum lugar para estar. Sair de uma sessão de cinema que começou tarde e terminou mais tarde ainda para encontrar uma rua deserta é completamente diferente da própria ida até essa sessão. Como não há hora para chegar em casa, o comum impulso de caprichar no acelerador não chega a me apetecer.
Mas e se eu gravasse essa minha experiência, um prazer individual que muitos podem não compartilhar? Afinal, não acharia absurdo se alguém me dissesse que tem medo de sofrer um acidente por causa destes mesmos velozes e furiosos das madrugadas. Seria uma gravação interessante, eu em meu subjetivo momento de tranquilidade? Talvez, porque a chance de ser atropelado por um destes loucos que arregaçam o asfalto existe de fato. No mínimo, teria mais ação e movimento que “A História da Noite” e suas dezenas de tomadas imóveis.
Não sei direito o que há de apelativo neste filme. Ele foi inovador em seu tempo? Chamou a atenção da crítica por algum motivo? Difícil dizer. “História da Noite” me parece uma obra desconhecida, inclusive pelo público que conhece um pouco mais de cinema. Acredito que não esteja errado em dizer isso, pois um dos curadores do Festival comentou sobre essa obscuridade. Independentemente de conquistas históricas, pois não encontrei nenhuma na minha pesquisa, questiono o conteúdo trazido. São cerca de 50 cidades da Europa registradas, mas nenhuma é identificada. Qual a idéia, então? Mostrar a sutil presença do ser humano nos lugares mais bizarros? Acho que talvez seja mais simples que isso.
Não nego o valor estético de diversas tomadas incríveis em preto e branco. A variedade de estilos arquitetônicos e como os contrastes entre preto, branco e cinza se apresentam neles são, em sua maioria, registros fotográficos impressionantes. Além do mais, “A História da Noite” chega a capturar momentos interessantes em suas aventuras noturnas, como gente na rua como bolas de feno ao vento e construções históricas vistas sob perspectivas únicas. No entanto, não consegui deixar de pensar que é uma abordagem um tanto rasa. Querendo ou não, é o passeio do cineasta gravado em preto e branco. Muito similar ao Cinema Vérité e suas propostas de registrar a realidade em busca de uma verdade cinematográfica. Bobeira. Ainda estou para enxergar alguma possibilidade de chegar nessa verdade e ser uma obra minimamente acessível. Capturar as coisas como elas são e chamar de filme não torna o resultado decente ou a idéia boa.
Só não avalio “A História da Noite” pior porque ele é honesto em sua proposta. Apesar do texto vago no site, que nada tem a ver com Clemens Klopfenstein, a proposta apresenta-se claramente: registrar os melhores momentos de uma longa excursão pela Europa. Não é ambicioso ou pretensioso, ao contrário de tantas outras obras que apresentam sequências de imagens bonitas e aleatórias enquanto tentam evidenciar a onipresença de Deus ou reinterpretar a existência humana com tomadas de dez minutos de uma vela acesa. Tem seus defeitos, como apresentar planos imóveis em sequência e me fazer sentir inquieto, como se estivesse olhando alguém nos olhos por tempo demais. Mas pelo menos não tenta ser o que não é. Está seguro em sua mediocridade, nunca chega a se rebaixar ao nível dos fracassos.