“La Familia”, um longa-metragem venezuelano, abre a sexta edição do Olhar de Cinema após estrear na Semana da Crítica no Festival de Cannes semanas antes. O primeiro longa do diretor Gustavo Rondón traz um ponto de vista contemporâneo sobre a situação na Venezuela, seu país de origem. Pelas notícias, não dá para saber ao certo o que está acontecendo exatamente devido ao caos. A única coisa que fica clara é que a tranquilidade não é uma realidade de quem está lá. Deste contexto, Rondón extrai sua história sobre laços sentimentais florescendo num terreno infértil. É inesperado e ainda mais poderoso por isso. A controvérsia inerente só fortalece a premissa.
Pedro (Reggie Reyes) é um garoto no florescer de sua adolescência. Sua vida de criança começa a ficar para trás e um período de turbulência começa. Garotos começam a achar que são homens e tentam fazer o possível para viver a vida de um. Mas este processo de amadurecimento não atende ao imediatismo jovial. Pedro acha que ser homem significa ser durão, forte e destemido, porém isso não passa de uma fantasia infantil, que acaba colocando ele e seu pai numa enrascada. Logo, os dois cruzam a cidade cabisbaixos para evitar retaliação pela imaturidade perigosa do garoto.
Este é um filme breve. Introduz cedo seu conflito e embrulha sua história em 1h20. Bem, talvez não embrulhe exatamente, mas isso é assunto para mais adiante. Antes de deixar a desejar em sua conclusão, “La Familia” mergulha de cabeça em sua proposta de conectar ficção e realidade. A situação precária da Venezuela é apresentada logo nas primeiras cenas para não deixar a audiência esperando demais a premissa ser colocada em prática. Felizmente, a condição sociopolítica do país não é usada como um chamariz barato de um filme vazio. A condição vivida pelos personagens é um elemento determinante para a história. Mais do que um plano de fundo, ele influencia ativamente o destino dos personagens e define suas possibilidades de ação. Fico satisfeito de ver que inclinações políticas, embora tenham influenciado a escolha, não foram o único fator considerado na hora de colocar esta obra na seleção do festival.
Não supera o filme de abertura do ano passado, “Operação Avalanche“, mas foi melhor do que eu esperava. Francamente, mencionei esta questão da inclinação política porque foi a primeira impressão que tive ao ver a seleção deste ano. Pareceu-me que o assunto das obras havia sido priorizado sobre a qualidade da execução destas idéias. “La Familia” me mostrou que eu estava errado — parcialmente, pelo menos.
Gostei do resultado final, principalmente das atuações e da direção de ator de Rondón. Se o roteiro, por um lado, vacila eventualmente, as atuações começam e terminam sólidas. Pai e filho relacionam-se como se estes fossem seus papéis na vida real. Se me perguntassem se Reggie Reyes e Giovanny García têm algum grau de parentesco fora das telonas, estaria inclinado a responder que sim. Neste ponto, não posso colocar defeitos. O caráter orgânico da relação funciona e é essencial para que o tema de “La Familia”, ao meu ver, funcione adequadamente. Sim, o contexto social é importantíssimo, mas não a ponto de ofuscar a esfera individual.
Essa é uma história tanto do geral quanto do pessoal, sobre como as condições ditadas pelo meio ainda são acompanhadas das consequências de escolhas individuais. Pedro e Andrés (Giovanny García) lidam com as dificuldades de morar na periferia de um país virado ao avesso em adição aos obstáculos comuns de qualquer pessoa. São dois tipos de conflito externo atuando em paralelo com o desenvolvimento de uma condição invisível: o relacionamento entre um pai, que faz o possível para sobreviver, e um filho em transformação, que ainda não consegue abrir mão de suas fantasias e enxergar o mundo como ele é.
Meu único e grande porém sobre “La Familia” é o fato dele ser inconclusivo. Digo, há uma sequência final, mas ela não tem cara de final porque realmente não amarra nenhuma ponta. A história vinha mantendo um ritmo interessante e simplesmente acaba numa cena que não diz muita coisa. Talvez a idéia seja justamente deixar o destino dos envolvidos em aberto, mas e antes disso? Os eventos que precedem estas últimas cenas são relevantes para um meio de história, talvez, não para um clímax. Justamente por isso, senti que a trama estava prestes a voltar a caminhar quando repentinamente termina. Poderia-se argumentar que é uma impressão pessoal minha, que o filme não é culpado por eu achar que ele não deveria acabar ali. No entanto, não é uma questão de achismo ou opinião. Toda boa história, por mais que não siga a estrutura clássica de arqui-trama, finaliza dizendo algo. Os efeitos do desenvolvimento de um arco ou tema se fazem notados, coisa que não acontece aqui. Ainda que não jogue no lixo as conquistas de uma história muito bem introduzida e desenvolvida, fere profundamente a obra.
“La Familia” acabou sendo uma abertura melhor do que eu esperava. Achei que a notoriedade da situação política na Venezuela teria, de alguma forma, sido o motivo mais forte por trás da escolha como abertura do evento. Foi melhor do que isso. O primeiro longa de Gustavo Rondón mostra um potencial, que, com sorte, será alcançado em trabalhos futuros. Neste momento, ainda falta sensibilidade por não haver um ponto final na obra. Parece até que não souberam como fechar a história, então deixaram sem final mesmo sob a desculpa que é um final aberto. Não é bem assim que as coisas funcionam.