“Patton”: a história de um grande herói do exército americano durante a Segunda Guerra Mundial. Além disso, um filme que me fez pensar sobre o gênero como um todo. Boa parte dos filmes de Guerra bons são, curiosamente, anti-guerra. “Apocalypse Now”, “All Quiet on the Western Front” e “Vá e Veja” são três grandes exemplos. Dramatizações complexas de batalhas e exibições de violência estão presentes, mas são estandartes para os horrores da guerra nestes casos, não um brinde aos sucessos heróicos de um país em guerra. Com um argumento plausível e bem estabelecido sobre gente morrendo aos montes por uma luta que não é necessariamente deles, há espaço para filmes que glorificam a guerra? Se a história envolver o General George S. Patton, sim.
Uma série de fracassos dos Estados Unidos na campanha do Norte da África traz o General Patton (George C. Scott) para o comando da situação. Começa um novo regime de disciplina e estratégia nas mãos de alguém tão competente quanto controverso. Patton não faz questão de ser amado, ele quer apenas fazer seu trabalho como patriota e ganhar a guerra. Sua personalidade peculiar, por outro lado, compete diretamente com seu sentido de dever. Ele não nega que sonha com glória e reconhecimento, até admitindo que gosta disso, mas essas aspirações frequentemente o colocam contra seus próprios superiores e valores.
É uma questão de gosto preferir filmes anti-guerra ou os que a glorificam. Prefiro as histórias que mostram a guerra como ela é, pois, normalmente, elas não precisam se esforçar para mostrar seu lado negro. Não há nada glamouroso em gente fuzilada e apodrecendo na lama. Mostrar os fatos como eles são constituem um argumento forte o bastante para dispensar dramatizações adicionais. Mas não é por ter uma preferência que dispenso outras abordagens. “Patton” claramente ilustra a guerra como um plano de fundo para as maquinações e sonhos pessoais de seu protagonista. Gente morta se torna matemática nos olhos de alguém que pensa estrategicamente, considerando vidas como um mau necessário para que a vitória, um bem maior e até triunfo pessoal sejam alcançados no final.
É um modo questionável de se pensar, vendo por cima, que pode ser flexibilizado se encaixado em contexto. “Patton” não tenta nem pede para ninguém concordar com esses ideais. Por si, ele usa o poder das palavras como uma forma de empatia, de fazer o espectador entender essa lógica de pensamento como parte do protagonista. Ver o filme dessa forma é se desprender de pré-julgamentos e entender a história de acordo com o que ela traz. Assim, a obra brilha em vermelho, branco e azul; do jeito como o próprio protagonista a molda.
Assim como grandes oradores convenceram as pessoas aos milhões sobre seus ideais, dessa mesma forma George S. Patton o faz em sua cena introdutória. O clássico discurso patriótico sobre a América em guerra, com a bandeira americana ao fundo e todas as decorações no peito. Americanos não lutam, eles vencem. Ir para a guerra é apenas formalizar uma soberania já existente nas entrelinhas. Nenhuma vitória vem como surpresa, apenas como um objetivo cumprido. Não parece ser nada diferente do que se vê no senso comum sobre o povo americano, mas esse estereótipo de americano médio não é George C. Scott, quem brilhantemente interpreta o General e, mais tarde, audaciosamente foi o primeiro ator a recusar um Oscar. Desde o primeiro filme seu que vi, uma participação coadjuvante em “The Hustler”, senti que Scott é um ator de presença. Por menor que seja, ele se faz notar por sua postura imponente, palavras afiadas e uma expressão que disseca a alma de quem o confronta. “Patton” traz a oportunidade de tomar o palco e mostrar talento em primeira mão. Um ator imponente no papel de um militar que ama ser visto como ídolo, uma combinação mais que feliz.
George C. Scott é o maior atrativo em “Patton”. Sua atuação torna afirmações sobre a primazia norte-americana, normalmente vistas como um ego nacional inflado, na expressão de ideais constituintes de personalidade. O homem pode ter idéias absurdas, mas não há como se sentir distante de seu discurso quando ele expressa suas idéias com tanta paixão. Ele não luta por seu país, ele é seu país. Não resta dúvida alguma sobre seus ideais depois de seu grande discurso, muito menos sobre a capacidade de Scott de tornar palpável aquela paixão pelo país. E não é só isso: Patton ama a si mesmo tanto quanto seu país. A tarefa de Scott como ator fica ainda mais complexa quando ele não se limita à manifestação da vontade de seu país, há um enorme ego consciente de todos seus atos. Ele sabe o que está em jogo e almeja se tornar o grande herói daqueles eventos. Já não é mais uma questão de cumprir ordens, existe uma agenda pessoal em paralelo. Com isso, a história cresce e o discurso ufanista já conhecido de antemão ganha profundidade. É uma virada interessante na personalidade do general e no próprio enredo, uma vez que seu trajeto é complicado pelas mesmas razões que fazem seu sucesso.
Não só de discursos essa história se sustenta. Além de apresentar magnificamente seu protagonista, “Patton” também explora personalidade e conquistas do militar no campo de batalha. Não é como se os dois estivessem desconectados, contudo. Parte da personalidade do General, talvez a mais importante, se manifesta quando ele está em ação. Em outras palavras, a história não se limita a explorar uma figura história apenas através de seu conflito interno, deixando a guerra como um evento das entrelinhas. Há cenas de conflito e vários atrativos que costumam vir junto. Dos escalões distribuídos entre tanques de guerra e jipes aos momentos quando a disciplina passa a ser instintiva e compete diretamente com a vontade de sobreviver à qualquer custo. Tais cenas funcionam como bons representativos das capacidades do General em combate e como variação ao roteiro, mas não chegam a ser predominantes nesta obra. Os melhores momentos ainda são de George C. Scott expressando a ambição agressiva do protagonista. Não há espaço para críticas quando ele está em tela, enquanto é possível apontar defeitos aqui e ali nas encenações de conflito — os extras são particularmente fracos às vezes, citando um exemplo. Fica claro que suprimiram seu espaço na obra em prol dos momentos com Patton, não deixando seus feitos eclipsarem a figura por trás deles sem necessariamente ignorá-los.
Embora o espectador possa torcer o nariz para os ideais patrióticos, não há como dizer que não é espetacular ver um ator tão empenhado em expressá-los como parte da alma de seu personagem. De certa forma, é como gostar do vilão de um filme: o espectador não concorda com seus planos, mas ver a loucura num molde peculiar e bem interpretado é sempre bom. Neste caso, Patton não é nenhum vilão. É apresentado como um herói americano com sua própria cota de ambição para evitar que ele seja um homem resumido a seu patriotismo. As pulsões narcisistas do ser humano criam um conflito que rivaliza a própria Segunda Guerra Mundial em escala.