O que diabos é a árvore da vida? A primeira vez que tentei descobrir a resposta para essa pergunta foi há alguns anos atrás. Havia tentado assistir a “The Tree of Life” sem muito sucesso quando este conseguiu me desmoralizar antes mesmo da metade. Mas depois de começar o site, repensei a situação e percebi que talvez aquela não tivesse sido a melhor hora para tentar assistir a um filme experimental e pouco acessível como esse; eu estava na praia e sem muita paciência para ver algo do tipo. No fim, restavam algumas pulgas atrás da orelha: ainda havia certo interesse pela obra, pois muita gente amava o filme apesar de todo o ódio; a outra era uma impressão de que talvez eu não fosse gostar do filme realmente, já que a experiência prévia não foi tão boa.
Tudo gira em torno da morte de um dos filhos da família O’Brien. A partir desse ponto, a narrativa volta para o princípio de tudo, acompanhando desde o nascimento do primeiro filho da família até o crescimento deles. Os problemas dessa família são revelados ao longo do caminho, da relação complicada entre pai e filho ao sofrimento de uma mãe que vê sua família querida ruir sem poder fazer nada.
Certos filmes mais ousados, se posso dizer, vão além das convenções da escrita de roteiro convencional para explorar estruturas e formatos diferentes. “La La Land“, por exemplo, é um musical que adapta sua história usando a dinâmica de uma canção, com as variações súbitas de tom e ritmo de uma música de verdade. Posso dizer que funcionou perfeitamente para este musical, mas e quando a inspiração é outra? Se fosse dizer que “The Tree of Life” se baseia em algo, diria que ele funciona como uma oração. Uma mãe perde seu filho. A história começa com alguém que não tem quem culpar pela tragédia. Resta tentar falar com a única entidade que pode ter tido alguma coisa a ver com o o ocorrido: Deus. Este é um filme experimental, sem seguir estruturas narrativas tradicionais e funcionando mais como o diálogo de uma pessoa com uma santidade, uma conversa sem nada de normal sobre ela começando pelo simples fato de não haver a certeza de que há alguém ouvindo do outro lado. Assim, a narrativa progride sem deixar muita pista de para onde está indo.
Por um lado, isso é bom porque é uma receita perfeita para fugir de qualquer clichê. É mais improvável que a história siga um caminho previsível se a estrutura não indicar para onde está indo, então a chance de se surpreender também é maior. Terrence Malick explora espiritualidade e a antítese entre a trivialidade e a significância da existência humana usando a morte como metáfora. Algo assim pode ser grande a ponto de abalar crenças ou frívola, quando considerada num contexto universal. Religião, ciência e relações familiares são apenas alguns dos pontos abordados e questionados pelo enredo ambicioso, mas pouco pretensioso de “The Tree of Life”. No entanto, não é porque os temas são abordados sem um ar de soberba que há sucesso. Há muito em jogo ao mesmo tempo. Temas amplos e profundos demais, que dificultam a tarefa de 2h19 de uma história tão experimental explorar todos bem. Em vez de criar uma narrativa instigante, que deixa o espectador ansioso pelo que está por vir, este filme surpreende negativamente. A expectativa começa sendo por onde as coisas vão se ligar, então logo fica claro que as coisas não vão se conectar e a única coisa que se espera é o fim do fim.
Pelo menos Terrence Malick faz ótimas escolhas nos temas de sua obra. Ele poderia apenas apresentar um ponto de vista e usá-lo para desenvolver a história, mas prefere diversificá-los e depois questionar estes mesmos pontos de vista. A religião, por exemplo, é apresentada junto de um olhar puramente científico; os personagens conversam com alguém que só poderia ser Deus numa história que guarda espaço para dinossauros. A figura paterna é desafiada diretamente por uma figura materna e sua postura acolhedora e pela controvérsia dos próprios atos do pai. De tudo isso, o que se aproveita realmente é o paralelo feito entre a figura de Deus e a do Sr. O’Brien: ambos deveriam ocupar papéis de orientação, acolhimento e proteção, mas a realidade discorda dessa noção. Uma crença é apresentada e logo em seguida questionada usando elementos da própria história. Nada menos que um jeito esperto de conectar núcleos distantes.
Mas e o resto, como funciona? É justamente na abordagem experimental que o maior dos defeitos de “The Tree of Life” aparece. Entendo perfeitamente e acho interessante a fidelidade de Malick a uma de suas várias propostas: expor uma controvérsia religiosa usando exemplos cotidianos. Como um fiel comum faz para exercer a sua fé diariamente? Em seu momento sagrado de oração antes de dormir, provavelmente. “The Tree of Life” parte desse costume e vai além em seu molde de diálogo transcendental para apresentar idéias, eventos e questionamentos, uma conversa com uma divindade apresentada como se fosse um fluxo de consciência. É interessante? Sim, mas não vejo isso como um bom jeito de contar uma história tão ambiciosa quanto essa – ou qualquer uma, aliás. Cada pessoa tem uma dinâmica cognitiva, um raciocínio que permite traduzir o mundo para algo compreensível, e isso é diferente para cada um. Acredito que por essa razão “The Tree of Life” seja tão divisivo entre a audiência, pois nem todos se identificam com a sequência de imagens escolhida por Terrence Malick e a enxergam como uma forma funcional de apresentar os temas propostos. Eu sou um destes. Não me senti preso à proposta. O conjunto da obra é desconexo demais de noções básicas de ritmo e a experiência torna-se extremamente cansativa e desconexa nesse caminho. Existem temas demais abordados ao mesmo tempo sem uma estrutura eficiente conectando a origem do universo com a representação de um tipo de paraíso e com um personagem seguindo uma versão mais jovem de si mesmo numa montanha, citando apenas uns exemplos.
Críticas ao roteiro nada dizem sobre representação visual dele, pelo menos. “The Tree of Life” poderia tranquilamente ser usado para vender televisores em lojas de eletrodomésticos com suas imagens tão divinas quanto os temas religiosos que aborda. A fotografia de Emmanuel Lubezki aproveita os benefícios da alta definição e cria, no mínimo, um olhar penetrante sobre tudo aquilo, algo que reforça a intenção do diretor de explorar os eventos além do que é concretamente mostrado. No entanto, não há como dizer que a tudo é organizado satisfatoriamente. É uma pena que temas tão ricos sejam explorados sem serem engajantes. O escopo é enorme e as idéias de um canto não são conectadas de forma coesa com as de outro. Um dos piores filmes mais bonitos que já vi na vida.