Todo ano é a mesma coisa: dentre os indicados ao Oscar de Melhor Animação, sempre há no mínimo um filme da Disney. A 89ª cerimônia trouxe dois e, para mim, até “Procurando Dory” poderia ter entrado junto. Dito isso, fico muito feliz quando vejo que ainda há espaço para obras de outros estúdios entrarem na competição, ainda que dificilmente ganhem. “Kubo and the Two Strings” é um desses filmes diferentes, uma animação fora do padrão de ser totalmente em computação gráfica e que até se aventura a explorar o potencial da cultura japonesa sem necessariamente seguir o estilo das animações do país. Em outras palavras, a melhor animação do ano, até então.
Kubo nasceu em meio a uma verdadeira tormenta. Num Japão feudal onde mágica não é algo tão místico assim, a vida do garoto se resumia a trocar de esconderijos até que finalmente encontra lar num pequeno vilarejo, onde cuida de sua mãe enferma e entretém o público animando origamis com a mágica de seu instrumento musical. Kubo tinha apenas uma obrigação: voltar para casa antes do anoitecer. Mas um dia ele esquece disso e as mesmas forças do mal que tiraram um de seus olhos voltam para buscar o outro.
“Kubo and the Two Strings” é, antes de qualquer coisa, um filme muito bonito. Mesmo se a história fosse uma porcaria, os personagens sem carisma e a experiência chata, as imagens salvariam um pouco a pátria com sua beleza irrefutável. É muito interessante quando uma animação chama a atenção com visuais originais, como “The Peanuts Movie” fez recentemente em sua recriação dos quadrinhos originais, e ainda melhor quando usam técnicas diferentes para isso. Em 1995, “Toy Story” estourou como o primeiro longa-metragem totalmente em computação gráfica, inovador para uma época em que as animações mais populares ainda eram no estilo clássico da Disney. Mas nesse período de transição ainda houve aqueles que preferiram o stop-motion como alternativa — entre eles, “The Nightmare Before Christmas”. É até mais impressionante voltar para essa técnica hoje em dia com o CGI tão bem estabelecido e, felizmente, o resultado foi muito satisfatório. Grande parte dos modelos aqui são bonecos reais, animados quadro a quadro, complementados pela computação gráfica estilizando a tela com efeitos e outros elementos.
Antes pudesse dizer que a estética ou a surpresa de ver o stop-motion são os únicos sucessos de “Kubo and the Two Strings”. A beleza vai além de apenas agradar os olhos: não surpreendentemente, ela nada mais é do que reflexo da criatividade daquele universo. Inspirado no folclore japonês, ele apresenta uma história fora do padrão de fantasia ocidental e seus contos de dragões e armaduras brilhantes, indo mais para o lado de samurais e misticismo. O instrumento do garoto — um tipo de violão ou cítara — tem o poder de animar e controlar objetos, como as folhas das árvores e papel de origami. Poderiam ser bolas de fogo ou escudos de energia da fantasia tradicional, mas aqui é um tipo de poder quase inofensivo, atraente por sua originalidade, se não por como ele é usado na história. Isso e mais se traduzem numa grande aventura com um diferencial nas cenas de ação e na filosofia — se assim posso chamar — por trás do trajeto do herói. Além de enfrentar esqueletos gigantes e samurais de outro mundo, os quais rendem diversos momentos de ação enérgicas, Kubo encontra outros tipos de obstáculos em seu caminho. O que impulsiona sua jornada, em primeiro lugar, é a curiosidade sobre o passado do qual ele tem fugido e que o leva a ponderar sobre espiritualidade, por exemplo. Curiosidade leva ao misticismo e eventualmente ao perigo, uma mistura que funciona, ainda que deixe a desejar no final do filme. Quando a ameaça finalmente se apresenta em pessoa, ela se mostra como algo mais profundo que uma simples força do mal.
De certa forma, essa é a chave do sucesso do roteiro de “Kubo and the Two Strings”: ele dá uma explicação justo quando as coisas parecem convenientes ou rasas demais. Bem quando o espectador vê uma cena e considera dizer que foi fácil demais, que o roteiro foi preguiçoso e deu uma saída rápida para os problemas do protagonista, surge uma explicação pontual e bem colocada, nunca um remendo improvisado querendo compensar deslizes. Prova disso está nas próprias cenas de ação e nos personagens envolvidos nela. A jornada de Kubo parece que vai ser muito difícil. pois o garoto não tem muita ajuda além de seu violão titereiro, um macaco e um homem-besouro com uns parafusos a menos. Quando eles são mais eficientes que o esperado, há uma boa razão para isso — sobre a qual não vou elaborar para não estragar a surpresa, claro. Na pior das hipóteses, a ação cumpriria seu papel de equilibrar o ritmo e entreter a audiência com sequências planejadas minuciosamente, sem parecer que estão ali simplesmente porque a aventura deve obrigatoriamente ter alguns obstáculos. Todavia, esta animação oferece mais. Há o prazer mais simples de admirar a composição orgânica entre modelos reais e computação gráfica, uma série de revelações planejadas e até um pouco de humor para não deixar a experiência séria demais. Não é algo que se destaca negativamente, além de servir como um apelo para o público infantil.
Devo dizer que não fiquei muito interessado por “Kubo and the Two Strings” quando ele saiu nos cinemas. Acho que não estava muito no clima para animações ou talvez tenha faltado empolgação mesmo. Pelo menos o Oscar serviu como um incentivo a mais, pois mesmo que ele não faça justiça e dê o prêmio a este filme, pelo menos terá me apresentado a uma história que, além de boa, tem sua própria identidade: usa métodos de animação alternativos, aproveita uma cultura diferente e ainda diverte no processo.