Acho que gostava mais de “Allied” quando não sabia nada sobre ele. Talvez seja tarde para dizer isso, especialmente para quem está acompanhando os filmes do Oscar no cinema, mas recomendo que o trailer não seja visto; é um daqueles com muito potencial para estragar a experiência por revelar demais do enredo. Somando isso ao fato da trama deste longa não ter lá muitas surpresas, no sentido de ser previsível demais, e a impressão sobre esse romance dramático do período de guerra pode ser ainda pior. Sobram referências ao clássico “Casablanca“, pena que elas não fazem muito para a qualidade desta obra de Robert Zemeckis.
Em plena Segunda Guerra Mundial, os Aliados despacham Max Vatan (Brad Pitt), um oficial canadense, para encontrar Marianne Beauséjour (Marion Cotillard) em Casablanca. Os dois devem fingir que são casados para se infiltrar num evento de oficiais alemães e assassinar um embaixador. Mas em seu processo de convencer os outros de seu casamento, eles acabam convencendo a si mesmos, o que traz uma série de complicações quando seus problemas não se limitam à missão em Casablanca. Em meio ao dever que Max jurou cumprir e aos votos de amor feitos no calor do Marrocos, ele deve filtrar sentimentos para que isso não atrapalhe seu trabalho.
De todas as estrelas envolvidas neste projeto, foi Robert Zemeckis quem mais me chamou a atenção. Antes de assistir, ele despertou minha curiosidade para ver como o homem por trás de filmes leves — como “Back to the Future” e “Forrest Gump” — trabalharia com um drama de Segunda Guerra Mundial; depois de assistir, Zemeckis continuou sendo o melhor que “Allied” tem para oferecer, mesmo contando com Brad Pitt e Marion Cotillard no front. Seu trabalho, em conjunto com os competentes design de produção e figurino, valoriza os esforços desses últimos e, na pior das hipóteses, entrega uma vivaz recriação dos Anos 40, nesse ponto divergindo de qualquer comparação com o clássico de Michael Curtiz. Enquanto ambas as histórias se passam em Casablanca, apenas uma delas tenta extrair glamour daquelas ruas empoeiradas. Zemeckis exalta a estética como quem quer extrair a beleza de um contexto contaminado pelos males da guerra, alavancar o romance escondido sob uma missão de assassinato para que este não seja apenas mais um filme sobre operações secretas enquanto a guerra de verdade acontece em outro lugar. Tanto na representação visual do roteiro quanto no aspecto puramente estético, a direção mostra segurança ao fazer muito bem seu trabalho de contar uma história com imagens.
No entanto, os acertos de um diretor competente são limitados por um roteiro que nem sempre sintoniza bem o que deve ser trabalhado em cada cena. O foco na beleza a despeito da contexto turbulento de Casablanca, por exemplo, ajuda na preparação do terreno para o que poderia ter sido um romance poderoso. Só falta desenvolverem o que essa base apresenta. Me impressiona ver que o filme que originou rumores sobre um caso entre Brad Pitt e Marion Cotillard — incluindo apontar isso como uma das razões para o divórcio com Angeline Jolie — ser tão brando no romance dos dois. Se eles formassem um casal com a mesma química de Mia e Sebastian — no exemplo recente de “La La Land” — ou mesmo de Rick e Ilsa — do clássico “Casablanca” — entenderia o motivo de tanto fogo por trás dos rumores. Mas não, eles são uma dupla que se beneficia muito mais pelas imagens, como as cenas de sexo muito bem dirigidas e pensadas, do que pelos esforços dos atores. Nenhum dos dois parece estar completamente investido no papel — ou completamente desconectado — estando ali mais para cumprir uma agenda do que para convencer alguém de sua paixão. Nada muito diferente dos diálogos, tão pouco inspirados que nunca superam o patamar da mediocridade e tampouco se aproximam das palavras afiadas de um flerte bem colocado.
O responsável por essa agenda não poderia ser nada menos que o roteiro e sua infeliz noção de ritmo. Em outras palavras, há trechos que atropelam a narrativa saltando muito rapidamente pelo enredo e, assim, deixando alguns pontos de “Allied” muito acelerados para serem aceitos pelo espectador. Nos momentos de tensão e ação, essa pressa está naturalmente em casa; mas quando o foco é desenvolver um romance improvável, oriundo de uma missão que era pra ser estritamente profissional, então as coisas não funcionam tão bem. Se os trailers foram vistos, não vou estar contando nenhuma novidade ao falar sobre uma grande virada da trama perto da metade do filme. O tom da obra muda e, logo, tudo se complica substancialmente mais do que foi apresentado até então. Detalhes e minúcias de enredo não combinam muito com um roteiro que mal dá tempo para o espectador absorver o que está acontecendo, talvez numa aposta de que ele esquecerá dos detalhes antes do final dar tudo como concluído. Muita coisa se perde no processo e a progressão fica um tanto previsível por só focar na parte bruta do enredo, sem nunca refiná-la. Mais de uma vez o roteiro chama atenção para uma vizinha que vigia os dois de sua janela, como quem quer ter certeza de que eles não são uma farsa. Tudo bem, mas e daí? Que tipo de relevância uma vizinha poderia ter para agentes que só deveriam se preocupar em esconder suas identidades dos alemães? São coisas como essa em detrimento de cenas realmente boas para o desenvolvimento da relação dos dois que ajudam a minar o que deveria ser um dos pilares de “Allied”.
Com dois grandes atores e um diretor renomado liderando uma romance com toques da ação de filmes de espião e de guerra, era difícil não se empolgar. No mínimo, posso dizer que a direção faz o possível para representar da melhor forma possível o que o roteiro oferece. As cenas de ação funcionam, a parte mais calorosa do romance convence e não há espaço para criticar a estética. É uma história satisfatória e nada mais, aos poucos manchada pela pressa do roteiro, pela falta de química dos dois atores e pelos diálogos sem sal. Uma oportunidade perdida aos que esperavam algo mais de “Allied”.