Se uma palavra apenas pudesse definir “Boyhood”, esta com certeza seria ambicioso. Gravado ao longo de doze anos inteiros, esta obra de Richard Linklater acompanha a vida de Mason Evans Jr. (Ellar Coltrane) e sua família por um período de doze anos. Começando com o primeiro ano de Mason na escola, o longa foca também na vida de outras pessoas importantes para o garoto, como sua irmã e seus divorciados pais. Mantido relativamente em segredo ao longo desses anos de produção, o longa-metragem foi produzido sem o conhecimento de muitos figurões do estúdio responsável. Por mais de uma década, algumas centenas de dólares sumiam dos bolsos do estúdio todos os anos para a produção desta obra.
Devo dizer que novamente aquele sentimento de autenticidade surge nesse filme, o tal ingrediente secreto que fez tantos filmes transcenderem seus níveis de qualidade. Por ter sido gravado durante tanto tempo, vemos as mudanças acontecerem como elas realmente aconteceriam na vida real. Obviamente, todos nos filmes são atores seguindo um roteiro, pois isso se trata de ficção, não de um reality-show. Ao menos economizaram um bom dinheiro no departamento de maquiagem, pois todas as alterações físicas presentes são completamente reais. A fase do cabelo comprido, a fase de pintar o cabelo, a fase do brinco, a fase do corte ridículo e até mesmo a fase do bigode latino-americano estão presentes, representadas exatamente como uma pessoa daquela idade usaria pois é justamente aquilo o que foi gravado. Mesmo parecendo apenas um detalhe pequeno perante tantas outras coisas relevantes na produção de um filme, as etapas da aparência física dão um toque único na apresentação dessa ambiciosa obra.
O porém está no fato dessa mesma característica, que fez de filmes como “Sunset Boulevard” obras-primas, não ser tão efetiva neste caso. Enquanto acredito que tal qualidade contribua muito na separação de obras sublimes do resto, ela por si só não é material suficiente para sustentar um longa-metragem inteiro nas costas. Dito isso, acredito que essa característica seja algo mais suplementar do que elementar para a estrutura de uma obra cinematográfica. Como mencionado, o uso dessa autenticidade chega a trazer um benefício, que é visto na apresentação dos atores envolvidos. Mas no fim das contas, isso é praticamente tudo que “Boyhood” tem a oferecer de positivo.
Embora o roteiro funcione muito bem em conjunto com o direcionamento da obra de Linklater, que procura representar eventos importantes destes 12 anos da vida de Mason, ele no geral acaba sendo simples em demasia. A maneira como ele é escrito representa perfeitamente o comportamento de um indivíduo jovem, e com relação a isso realmente não tenho reclamações. Mas parecer verdadeiro não soma para uma experiência cinematográfica muito envolvente. Nada realmente acontece no filme todo, eventos do cotidiano são apresentados sequencialmente, sem um elo consistente ligando todos a não ser o protagonista. Considerando ainda que 12 anos são abordados, outro problema deste longa-metragem vem à tona.
O período extenso de produção por si é um feito digno de mérito, mas ao mesmo tempo acaba sendo um tiro no pé desta obra. Com 165 minutos de duração, o longa já parece se estender muito mais do que deveria pela ausência de eventos concretos no roteiro. Somando isso ao período de 12 anos abordado, temos cerca de 4380 dias da vida de uma pessoa condensados em quase três horas de filme. O fato destas três horas demorarem tanto para passar está justamente nas falhas de roteiro, que poderiam ao menos ter criado um enfoque para ser explorado ao longo desses anos todos. Colocar esta quantidade de dias em um tempo proporcionalmente minúsculo traz um problema gigantesco: não abordar nenhuma das inúmeras fases da vida tão profundamente. Virtualmente todos os eventos importantes da infância e juventude do protagonista são mostrados, mas em nenhum deles há uma dedicação maior. Essa abordagem acaba evitando que ocorra um envolvimento maior do espectador com os eventos mostrados. Em alguns momentos uma imersão chega a começar a ser desenvolvida, porém o processo logo é prematuramente interrompido por um corte para outra fase da vida de Mason. Chegam a tentar inserir um sentido em cima de tudo nas cenas finais do longa, mas entregar uma resposta parcial neste ponto não resolve nada, ainda mais quando um desenvolvimento deste sentido é inexistente.
Apesar de tantos erros, Richard Linklater definitivamente acerta a mão na direção e montagem deste filme. Mesmo sendo extremamente cansativo em vários momentos, “Boyhood” consegue ter seu fator entediante minimizado pelos esforços do diretor. Saltos temporais muito grandes entre cortes de cena costumam ser muito incômodos, pois quase sempre causam confusão na hora de localizar o espectador na linha do tempo. Ao menos aqui, Linklater consegue montar seu longa-metragem de maneira bem suave entre os dias, semanas e anos abordados. Sem um manuseio tão sólido de tal “condução temporal”, esta obra certamente seria ainda mais cansativa, além de confusa. Mesmo minimizando a monotonia, a direção de Linklater não faz nada pela maneira rasa como os eventos são abordados pelo roteiro, fazendo de “Boyhood” uma das grandes decepções do ano.