Os video-games não terem uma boa imagem no cinema já não é novidade para ninguém. Os sucessos são poucos e os fracassos incontáveis, não só antigamente como também mais recentemente com “Warcraft“. Parece que sempre falta algo no produto final, que não raramente desagrada tanto fãs dos jogos quanto quem só vai para ver um filme. Não vou dizer que “Assassin’s Creed” deu esperanças de que seria a obra a quebrar este estigma, pois não é verdade. Pelo menos para mim, os trailers já indicaram que o resultado não seria dos mais agradáveis, ao passo que a crítica fez seu próprio massacre. Eu só não esperava que seria tão ruim assim.
Em mais de 500 anos de história, é difícil apontar elos muito concretos entre épocas, pessoas e culturas diferentes, mas algumas coisas permanecem. Duas facções opostas, os Assassinos e os Templários, mantêm vivos seus conflitos ao longo dos séculos até que a sorte finalmente parece estar do lado dos Templários, que no presente usam a fachada de uma corporação chamada Abstergo. Eles desenvolveram uma máquina capaz de reviver memórias de antepassados através do código genético. Com Cal Lynch (Michael Fassbender) em mãos, a Abstergo tenta acessar a vida de um parente que viveu na Inquisição Espanhola e descobrir o destino de um artefato crucial para seus planos.
Sendo um filme que se baseia em video-games, não seria surpresa se sua história se baseasse ou pelo menos adaptasse o que está nos jogos. Poderiam ter resgatado a trama de qualquer um dos personagens da série — talvez a de Ezio Auditore, protagonista mais elogiado pelos fãs — mas preferiram criar uma história relativamente nova. Eis o ponto onde começam os problemas de “Assassin’s Creed”: ele apresenta não uma, mas duas oportunidades perdidas. Uma envolve usar a história de algum dos jogos e adaptar mais diretamente, aproveitando a popularidade já existente como uma saída mais segura; a outra seria fugir de tudo o que já foi feito para criar uma trama completamente nova e não se limitar pelo que foi feito antes. O que entregam, no entanto, é um misto infeliz dessas duas vertentes. Dos jogos, utilizam a dupla narrativa de presente e passado, além da busca por um artefato milenar importante para a luta entre as facções. Já as novidades incluem protagonista e contexto histórico totalmente novos na série: Callum Lynch explorando a Espanha do Século 15.
Exceto pelo fato de que “Assassin’s Creed” não explora muito a Espanha do Século 15. O maior chamariz da série sempre foi a possibilidade de explorar um ambiente histórico único de um jeito muito mais divertido do que pela Wikipédia. O jogador pode controlar uma Assassino e explorar a Itália Renascentista, por exemplo, ou a vasta cidade de Constantinopla em seu auge, participar de eventos históricos e encontrar figuras icônicas como Leonardo Da Vinci no caminho. É uma proposta interessante o bastante para render mais de 15 jogos em cerca de 10 anos e tornar a franquia uma das mais populares dos últimos tempos. O porquê dos roteiristas acharem que seria uma boa idéia não aproveitar tudo isso, eu não sei. O foco é claramente mais forte na narrativa de Callum Lynch, explicando todos os detalhes do porquê ele está preso, das filosofias da Abstergo, sobre a família de Lynch e como as viagens ao passado mudam o presente. Francamente, mesmo o arco do presente nos jogos sendo superior a esse, ninguém realmente jogava por eles. Eles serviam como intervalos para a ação com o bônus de ter um enredo próprio, coisa que este filme interpreta exatamente de forma totalmente contrária. Dão tanta atenção à história de Callum que as já curtas sequências no passado ficam mais perto desses intervalos, quando elas deveriam e são mais interessantes que qualquer coisa que mostram no outro núcleo.
Mas tudo bem, se a parte do presente contasse uma boa história não me incomodaria tanto. O problema é que, como dito, esse nunca foi o melhor ou mais popular lado da franquia, tanto que a própria desenvolvedora abriu mão dele em vários jogos. O material-base nunca foi tão interessante e o que entregam em “Assassin’s Creed” consegue ser ainda pior. Fazem questão de dar uma motivação para o protagonista ser agressivo, mergulhando em seu passado e criando um arco entre ele e seus pais, como se ser agressivo ou traumatizado fosse uma característica relevante para ser Assassino ou para o próprio filme. Então tentam dar profundidade para a Abstergo com uma filosofia tão obviamente falsa que só exalta a falta de necessidade de mostrar os vilões como mais do que gente do mal. Nem a filosofia dos Assassinos, nem a dos Templários é desenvolvida a fundo para justificar tempo de tela com explicações sobre cada uma. Não há porquê perderem tanto tempo com detalhes frívolos e desinteressantes da vida em cativeiro na Abstergo quando Assassinos são caçados pela Inquisição. Era para ser uma simples luta entre duas facções opostas, não há muito segredo por trás disso.
Os últimos pregos no caixão de “Assassin’s Creed” aparecem quando nem o arco do passado faz seu pouco tempo de tela valer a pena. Não é como se ele fosse um fracasso completo, pois aí estaria exagerando, embora seja claramente mais uma oportunidade perdida. O lado bom é aquilo que já mencionei: ver como adaptaram a caracterização dos Assassinos num contexto histórico inédito, conhecer ambientes exóticos e aproveitar umas cenas de ação. Dessas características, não posso criticar as duas primeiras exceto pelo fato dos efeitos especiais trabalharem contra o sucesso desta obra. Não bastando a beleza de construções antigas e gente escalando prédios, adicionam um efeito aparentemente eterno de nuvens de areia por cima da imagem. Isso evita que, no mínimo, este filme seja uma ostentação de fotografia e efeitos especiais — uma conquista pequena, mas já seria alguma coisa — e, para piorar, atrapalha ainda mais a direção caótica de Justin Kurzel. As cenas de ação envolvem acrobacias no estilo parkour e combate com armas brancas e corpo a corpo, uma boa chance para mostrar o talento de dublês em artes marciais se não fossem cortes constantes, que não deixam o espectador entender quem está batendo em quem e o que diabos está acontecendo. O pouco que se extrai até diverte, mas não é bom a ponto de fazer a audiência ignorar o outro núcleo fraco, a areia na tela ou a repetição exaustiva de cenas de perseguição.
Nunca achei que “Assassin’s Creed” seria lá muito bom, mas também não esperava ser surpreendido negativamente. Minha expectativa estava beirando o medíocre enquanto o resultado foi ainda abaixo disso, pior que muitas adaptações de jogos consideradas fracas. Difícil dar certo quando a própria produção parece não ter entendido o motivo que levou as pessoas a procurar a franquia, em primeiro lugar.