“Fantastic Beasts and Where to Find Them” é a mais nova continuação da série de filmes com títulos estupidamente longos, andando de mãos dadas com “Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children“, mas não tanto: fica bem claro qual dos dois é melhor. A reintrodução do universo de Harry Potter nos cinemas mostra-se como um dos blockbusters mais legais de um ano fraco até o momento. Não é perfeito ou uma conquista cinematográfica, mas uma experiência agradável em vários sentidos, especialmente por não usar a nostalgia como muleta ou certas tendências populares para tentar assegurar uma bilheteria maior. Num mundo de animais fantásticos, é a originalidade que impressiona de verdade.
70 anos antes do nascimento de Harry Potter já existiam bruxas e bruxos aos montes. A magia funcionava em segundo plano, longe dos olhos e ouvidos dos trouxas, mas a ameaça de um bruxo radical coloca o equilíbrio em xeque. Ele acha que viver nas sombras só protege os interesses do humanos, enquanto os bruxos se prejudicam por ter de se esconder. Eis que Newt Scamander (Eddie Redmayne) chega em Nova York com uma maleta cheia de criaturas exóticas no meio de um caos no mundo da magia. Scamander pouco liga para esses problemas, ele só quer se dedicar a estudar e proteger os animais. Mas quando as coisas estão a uma abertura de mala de dar errado, não demora para isso acontecer.
Acredito que um dos grandes medos por trás de “Fantastic Beasts” era a forma como trariam Harry Potter de volta aos cinemas. Vão ser fiéis ao universo? Vão apostar muito na nostalgia? Vão mandar bem ou fazer feio diante do legado iniciado em 2001? Francamente, não me preocupei tanto com essas questões por não ser tão fã da série de J.K. Rowling. Fui ver sem esquentar a cabeça e, surpreendentemente, gostei do resultado. Não tem muito dos filmes passados nem muito dos atuais, este é um blockbuster de personalidade. Um acerto essencial nessa parte se encontra no modo como conduzem a história: apresentam uma entonação leve e bem humorada sem apelar para o humor Marvel. Nunca chegando a ser sério, este longa deixa para aproveitar a comédia moderadamente, sabendo quando o humor é apropriado e em qual intensidade. O responsável por isso?Por incrível que pareça, as risadas são garantidas por um trouxa. Desde suas primeiras cenas, Jacob Kowalski (Dan Fogler) deixa claro que será o alívio cômico do filme; sua função na história é ser o elemento engraçado entre uma galeria de esquisitões. Não por fazer piadas o tempo todo e forçar a barra, ele é simplesmente inapropriado para o contexto tenso de bruxaria e mágica. A receita perfeita para algumas risadas.
O melhor dessa proposta é que não existe nenhum tipo de compromisso ou obrigação com a comédia. Se “Fantastic Beasts” tenta ser engraçado, não é para seguir uma fórmula. O único objetivo desta aventura é a qualidade e o entretenimento. Num filme pipoca como esse, isso significa não tentar ser exageradamente engraçado em toda oportunidade, mas saber a importância de uma piadinha moderada para não criar um tom artificial. Essa mudança de tom já coloca, por si, uma bos distância entre este “Fantastic Beasts” e a série Harry Potter e dá uma sensação de originalidade. Enquanto isso, as partes em que os dois se aproximam formam a ponte para que essa distância não seja tão grande assim. Por mais que o universo seja o mesmo, muita coisa muda. Hogwarts se localiza num fictício lugar do Reino Unido, ao passo que esta história acontece na Nova York dos Anos 20. Talvez o lugar e a caracterização de mundo dêem uma renovada, mas há mais do que isso. Fazem o incrível feito de reintroduzir algo que todo mundo já conhecia sem repetir os mesmos truques. Sem Sonserina e sem Corvinal, mas com monstros de sobra na grande cidade americana. Para alguns espectadores novos pode até ser confuso entender o que está acontecendo com tantos arcos acontecendo ao mesmo tempo. Para resolver isso, Jacob Kowalski aparece novamente como alguém que não sabe nada de magia e é novo para tudo aquilo. Suas dúvidas acabam sendo a chave para novos espectadores entenderem o que se passa.
Tantos pontos fortes não impedem que alguns erros apareçam, contudo. No geral, existem três grandes problemas em “Fantastic Beasts”: dois maiores, relacionados a roteiro e direção; e outro menor, sobre efeitos especiais. Começando pelo menos pior dos males, digo que os efeitos especiais não foram completamente ruins, longe disso. Meu problema com eles é sua qualidade pouco consistente. Em um momento mostra os feitiços jogando os bruxos de um prédio para outro, puxando objetos para perto estilosamente ou simplesmente bruxos duelando; em outros é um exagero de imagens computadorizadas que com certeza farão o filme envelhecer rápido, especialmente quando o protagonista abraça e se esfrega nos monstros maiores. Dessa vez a tela IMAX não fez muitos favores. Mesmo com algumas adições interessantes — como as imagens que excedem os limites do quadro — a tela em alta definição mais revela falhas do que detalhes na imagem. Além disso, o pecado da direção é colocar cenas demais que servem apenas para justificar o 3D, aquelas em que algo voa em direção da tela gratuitamente. Já o roteiro deixa para deslizar na área do romance, certamente o pior e mais forçado elemento encontrado aqui. Não sei qual é a suposta necessidade de inserir uma história de amor num filme de fantasia, mas acontece. Se por um lado existe um belo respiro de originalidade no enredo, há clichê de sobra em criar um romance entre dois personagens pelo simples fato de que não dão uma boa razão em momento algum.
“Fantastic Beasts” é o retorno da franquia que dominou o cinema nos Anos 2000, trazendo de volta o universo, mesmo que não os mesmos personagens, para outra rodada nas bilheterias. De fato perdem tempo em tentar mostrar quão fantásticos os animais fantásticos são e em bobagens como romances forçados, mas o saldo permanece bem positivo. Meu único medo é que já foram confirmadas quatro continuações sem mais nem menos. Há um protagonista carismático em Eddie Redmayne e uma história bacana, mas talvez não seja o bastante para cinco filmes.