Apenas mais um filme de Suspense ou uma obra prima de tensão, mistério e boas atuações? “Sleuth” é outro clássico não exatamente definido pela unanimidade. Há os que acham que os segredos aqui são tão discretos quanto um hipopótamo pintado de verde e aqueles que mergulham na experiência sem dificuldade. Uma coisa é fato, porém: é a despedida de Joseph L. Mankiewiecz dos cinemas. Depois de uma carreira de diversos roteiros, filmes e prêmios, Mankiewicz conclui um trajeto de mais de 40 anos com uma história sobre quão errado uma brincadeira pode dar quando egos estão em jogo.
Andrew Wyke (Laurence Olivier) é um solteirão que curte a boa vida numa mansão isolada da avalanche de estímulos da cidade grande. Ou melhor dizendo, quase um solteirão. Sua esposa o abandonou por um homem mais jovem e mais disposto a satisfazer sua luxúria. Andrew então decide chamar Milo (Michael Caine), o novo pretendente de sua esposa, para uma conversa, um bate papo entre duas pessoas que compartilham a mesma mulher. Com desconfiança em alta, Milo vai a casa de Andrew sem saber o que o espera: conversas ácidas, jogos ousados e um conflito entre egos fortes que só pode resultar em problemas.
A alma de “Sleuth” é apresentar um grande mistério e complicá-lo cada vez mais. A idéia não é tanto resolvê-lo aos poucos, mas sempre colocar uma pedra maior no caminho quando tudo parecia estar resolvido. Familiar? Os fãs de Hercule Poirot e Miss Marple se sentirão em casa com uma trama que tem as mãos de Agatha Christie em toda a parte. No entanto, ela não teve nada a ver com o projeto. O responsável por história e roteiro foi Anthony Shaffer, autor da peça homônima vencedora do Tony. O envolvimento de Christie se limita a ser inspiração para enredo e personagens, o que pode não parecer muito, mas é elementar para o mistério mostrado. Não é de se surpreender que anos depois Shaffer tenha escrito o roteiro de “Morte no Nilo”, uma das obras mais famosas de Christie. Ele realmente pegou o espírito da autora.
Mera coincidência? O protagonista não é nada menos que um premiado escritor de histórias de detetive. Com um drink sempre ao alcance, ele se aconchega em roupões de seda e cachecóis enquanto pensa em seu novo livro. Quem matará quem, de que forma esconderá o corpo e como o investigador achará o deslize do bandido? Certamente é a recreação comum das mentes nobres, como ele mesmo diz. Que tal, então, trazer a ficção para a realidade? Colocar uma pessoa de verdade em jogos sadicamente bem humorados e ver o que acontece? Essa é a proposta do protagonista. Já Anthony Shaffer tem uma tarefa mais árdua: criar um jogo de gato e rato entre Andrew e Milo enquanto engana o espectador. Em suma, é uma história de reviravoltas e uma bola de neve de complicações que só entrega o mínimo necessário para a manter a curiosidade. E funciona. Seguindo nos passos de quem o inspira, o roteirista frequentemente brinca com quem assiste da mesma forme que o protagonista faz com seu hóspede; ele passa a impressão de que tudo está estranho demais para ser verdade apenas para dar um tapa na cara e mostrar como a audiência estava enganada. Os dois personagens do elenco brigam para ver quem sai por cima no final das contas enquanto o espectador, sempre tenso, pensa duas vezes antes de adivinhar qualquer coisa e estar possivelmente errado.
Aparentemente, uma história inteligente como essa não foi o bastante para agradar um público que só conheceu “Sleuth” mais recentemente. Uma das principais críticas desse pessoal cai em cima da trama, que, para eles, está mais para o óbvio do que para o sagaz. Talvez seja porque tantos outros filmes parecidos saíram nos anos seguintes ou pelo conceito ter envelhecido mal. Por outro lado, um aspecto parece ser mais universalmente elogiado: as atuações de Laurence Olivier e Michael Caine. Pois bem, devo discordar parcialmente de ambas estas tendências. O enredo, por mais que não seja uma demonstração de genialidade, não envelheceu mal e com certeza não tem nada de burro. Acredito que apenas um olhar ausente de vontade de aproveitar a história vai procurar em todos os cantos uma razão para depredar o mistério em construção. Mas não é para isso que as histórias de detetive servem? Não acredito que seja exatamente assim que funciona. Qualquer filme exageradamente analisado vai ter furos e deslizes aqui e ali — fundamentados ou não. Vai do espectador querer curtir a experiência ou dissecá-la. Ao mesmo tempo, as atuações também não se mostraram exatamente no nível de glória sugerido. Sobre Caine realmente não há o que falar mal, minha surpresa foi ver que Olivier não se sai tão bem. Exagerado a ponto de beirar o ridículo, seu personagem parece se esforçar demais para ter um ar de superioridade, como se estivesse muito claramente num outro nível de inteligência e sofisticação. Ao contrário de Hans Landa, o inteligente vilão de “Inglorious Basterds”, que exala perspicácia e, sem esforço, fica sempre um passo à frente de todos, Olivier mostra competência carente de moderação. Seu exagero em querer parecer inteligente o torna apenas pretensioso.
Esperava um pouco mais de “Sleuth”, considerando elenco, indicações ao Oscar e o fato de ser a despedida de Joseph L. Mankiewicz. Está longe de ser um filme ruim e falho, como alguns críticos apontam, porém sinto que, ao menos na atuação, o personagem de Laurence Olivier poderia ter se saído melhor. Quando a trama se faz de ridícula propositalmente e anda em corda bamba sobre a galhofa, uma atuação exagerada só mata suas chances de flertar com o sadismo e o humor negro — caminho pelo qual o roteiro tentou seguir, como ele mesmo sugere em certos momentos. Ainda assim, um prato cheio para fãs dos mistérios a la Agatha Christie.