Se “Star Trek Beyond” era para ser a salvação da franquia após o suposto fracasso de “Star Trek Into Darkness“, devo avisar que não é bem isso que acontece. Uma reclamação comum é que o reboot transformou dramas em ação descerebrada e até acho que existe certa margem para reclamações, embora a nova entonação não seja um problema imediato. Só fica difícil defender quando chamam o diretor da série “Velozes e Furiosos” para assumir o comando. Se o problema era substituir desenvolvimento de personagens e enredo por explosões e naves espaciais, então esta obra dificilmente agradará os que já estavam descontentes.
Quase três anos após sua partida galáxia afora, o Capitão Kirk (Chris Pine) e sua equipe desbravam cantos desconhecidos do universo em busca de novos achados em nome da Federação. Mas nem toda novidade é boa, fato que descobrem da pior maneira possível. Um pedido de socorro alienígena leva a Entreprise até uma nebulosa desconhecida, onde ela é atacada brutalmente por um enxame de pequenas naves organizadas. Com uma nave aos pedaços e a tripulação ilhada num planeta deserto, cabe a Kirk parar esses inimigos da Federação antes que eles lancem seu grande ataque.
Diferente daqueles que não gostaram de ver mais ação numa franquia querida como “Star Trek”, eu achei uma idéia boa e ainda melhor do modo como ela foi aplicada em “Into Darkness“. Mas não é como se essa proposta tivesse sido a única mudança ou a mais fundamental, ela apenas complementou um roteiro melhor estruturado e ajudou muito a criar um ritmo agradável para a história. Adicione um ótimo vilão, alguns retoques aqui e ali e pronto: está feito um filme melhor. Infelizmente, essa mensagem não parece ter sido entendida muito bem pelos responsáveis por “Star Trek Beyond”. Naves explodindo, destruição em massa, pessoas sendo sugadas pelo vácuo do espaço, phasers atirando e até um pouco de humor eram para ser a fórmula mágica aqui, mas o sucesso não é algo que se atinge tão facilmente.
Primeiramente, devo guardar um pouco de espaço de apreciação por Justin Lin, ele conseguiu o feito de obliterar da face do celuloide o lens flare. Não esperava que fossem realmente tirar o efeito, mas aconteceu: “Star Trek Beyond” tem facilmente os visuais mais belos deste reboot. Até pouco tempo, apreciar os visuais de um “Star Trek” não era mais do que uma divagação; hoje, é possível contemplar a glória de um design de produção que não mudou tanto e ainda parece ter recebido uma ótima atualização. Numa tela IMAX, então, o espetáculo visual é garantido. No entanto, fico mais triste que feliz ao dizer que a presença do lens flare é mais negativa do que sua ausência é positiva. Grandes obras não chegam lá só com uma ausência de defeitos, há sempre uma série de acertos logo atrás. Neste terceiro filme preocupam-se mais com a diversão e a grande jornada inesquecível do que com uma boa história para sustentar tudo isso. Uma pena, considerando o universo de potencial gigantesco.
Como disse antes, não é a tendência de usar a ação para orientar o longa que me faz reclamar de algo, e sim o apego a ela que falha em manter o espectador interessado. Pelo menos não posso reclamar da direção de Justin Lin nestas mesmas sequências, que, compondo o longa de uma ponta a outra, só poderiam ser o principal ponto positivo. Mil coisas explodem ao mesmo tempo e a câmera de Lin consegue achar cantos favoráveis para melhor capturar tudo aquilo, frequentemente movimentando-se de forma pouco tradicional e até meio absurda. Mesmo assim, a impressão não é tanto de um observador invisível e improvável, como num jogo, a câmera que faz um panorama e acelera em direção a ação funciona curiosamente bem num ambiente vasto como o espaço sideral. São sequências complexas, que filmadas de forma competente convidam o espectador a participar das façanhas de Kirk e Spock.
Não seria ótimo se essas cenas fossem o bastante para sustentar um filme inteiro? Se esse fosse o caso, acredito que “Star Trek Beyond” seria um dos melhores do gênero. Mas até “Mad Max: Fury Road” — também conhecido como um dos filmes mais frenéticos de todos os tempos — tem seus momentos de descanso, uns instantes para respirar antes de começar tudo de novo. Bem, não só isso, há também a história, que, querendo ou não, é o que sustenta o resto da obra. É através dela que motivações e caráteres se revelam, é com ela que o espectador descobre o propósito de uma nave querer destruir a outra. Pois bem, na falta de um vilão competente resta apelar para a simples fórmula de um querer destruir o mundo e outro salvá-lo. Por ser quase arquetípica, não dá para dizer que a trama é automaticamente problemática, só que ela precisa de um pouco mais de substância para não tornar-se um grande clichê. É isso que falta aqui, uma preocupação maior com aquilo que sustenta os acontecimentos; há atenção de sobra aos eventos brutos O espectador começa totalmente imerso no caos espacial e é colocado em outro pandemônio antes mesmo de poder pensar nos pormenores; permanece o ciclo de manter os ânimos no ápice da adrenalina até que essa dinâmica perde seu poder magnético, finalmente revelando as besteiras do roteiro. Ou melhor, fazendo quem assiste se tocar que tal solução foi muito conveniente ou que um personagem simplesmente se teletransportou de um corte para outro sem a ajuda de Scotty (Simon Pegg). Como foi que o vilão conseguiu tanto poder mesmo?
“Star Trek Beyond” não é uma bomba, no final das contas. Poderia ter sido muito melhor? Sim, especialmente depois que seu predecessor deu uma boa idéia de como fazer as coisas direito. Apostando demais no poder da adrenalina sobre o bom senso, o diretor Justin Lin entrega um filme que, de fato, é competente em suas sequências agitadas, mas que não oferece quase nada além disso. Infelizmente, parece que ser a comemoração dos 50 anos da franquia não foi incentivo o bastante.