Antes de qualquer coisa, devo dizer que este era um dos filmes que eu achava menos interessante entre os clássicos do 5º Olhar de Cinema. As produções indianas nunca me instigaram muito, especialmente quando li que muitas das produções de lá puxavam para o lado Musical, cultural e religioso. Tanto hoje em dia como naquela época essa descrição é injusta por estereotipar o mercado de um país inteiro e “Meghe Dhaka Tara” mostra quão errado eu estava. Não completamente, contudo. Esta obra possui sua parcela de canções e números musicais para torna-lá parte do gênero, porém isso não chega perto de ser o chamativo quando uma história tão instigante é contada no resto do tempo.
Nita (Supriya Choudhury) é uma garota de família pobre e presa às tradições. A mãe e o pai ficam em casa o tempo todo, os dois irmãos permanecem despreocupados com seus próprios futuros, tranquilos por saber que tem alguém para sustentá-los enquanto correm atrás de seus sonhos. Esta pessoa não é ninguém menos que Nita, que tenta dividir o pouco dinheiro que tem entre botar comida na mesa e fazer todos feliz com presentes. Para piorar o que já era precário, uma série de acontecimentos complicam sua situação, forçando-a a assumir uma família que mais julga do que age.
Essa é uma história que mexe com quem assiste. Sem dever nada a grandes obras de outros países, “Meghe Dhaka Tara” é um filme tão sórdido que poderia muito bem ser classificado como um Noir Indiano se a entonação não fosse tão dramática. Um crime misterioso ou um detetive envolvido numa enrascada e o resultado poderia muito bem andar ao lado de longas como “Mildred Pierce“. Sinceramente, eu não esperava uma experiência tão pesada quanto essa e acredito que boa parte das pessoas que assistiram comigo também não. Assim que as luzes da sala acenderam havia apenas um silêncio mortal. Não se ouvia julgamentos, opiniões ou suspiros, parece que o musical indiano pegou todos de surpresa. Como uma olhada rápida sugere, este não é um longa convencional. A trama simplesmente joga o espectador no meio de uma rua empoeirada da Índia. Sem saber pra onde ir ou o que achar daquilo, a audiência simplesmente acompanha o que é mostrado. Tudo começa com uma sandália que estoura, forçando a protagonista a andar descalça pela terra quente. Nada demais até então, pois imagino que todo mundo já perdeu um par de chinelos de dedo enquanto andava.
Então as coisas se escalam. Primeiro o irmão pede dinheiro: seu sonho é ser cantor, mas até lá ele fica sem trabalhar, usando o dinheiro dos outros para manter a aparência respeitável. Depois a irmã reclama que não tem roupas apropriadas para uma jovem da idade dela. A família em geral sonha com uma casa de dois andares e o namorado estuda para um doutorado. E quanto a protagonista, qual é o lugar dela nos planos dessas pessoas? Alguém pensa que nada do que eles desejam vai bater na porta e se colocar à sua disposição? Talvez até pensem, o que eles realmente não cogitam é correr atrás destas metas. Sempre há uma irmã, filha ou namorada para quebrar esse galho, alguém para ser o meio até seus fins. Cena após cena o diretor Ritwik Ghatak pune a personagem, alargando a fenda do sofrimento sempre que parece que as coisas não podem piorar; e sem nunca parecer forçado como o bater na tecla punição repetidas vezes até o ponto desejado. Pelo contrário, a mesma casualidade do começo da trama permanece, abordagem cuja falta de sensacionalismo só deixa aquela experiência mais dura de assistir. Em vez do comum intercalado com eventos inesperados, “Meghe Dhaka Tara” vai mais longe: expõe a calamidade de uma existência miserável.
Outra de minhas preocupações quanto ao cinema indiano era não absorver o conteúdo por não conhecer a cultura de lá. O básico todo mundo sabe, o problema seria se a história focasse muito em religião, por exemplo, ou outro elemento específico. Parte do sucesso de “Meghe Dhaka Tara” está justamente no fato daquela jornada poder ser compreendida facilmente. Relações de trabalho e educação na Índia estão presentes e relativamente bem explicados, o resto de cultura que aparece fica concentrado em dois elementos: um deles é a parte Musical propriamente dita, totalmente descartável; o outro é a direção de Ritwik Ghatak, em especial nos ângulos de câmera e direção dos atores. Quando surge conflito, Nita não tenta bater de frente e discutir, ela simplesmente pula o drama e vai direto para a última etapa da briga: a dor. Sabendo para onde aquilo vai caminhar, a protagonista apenas vira seu rosto para o além, olhando em direção ao céu, ao lado e às vezes até mesmo para a própria câmera. É como se ela procurasse na imensidão vazia uma presença divina para partilhar seu fardo, alguém que não seja completamente cego à sua situação. Como resposta, os ângulos de câmera são próximos beirando a intimidade, colocando-se perto daquela situação. Quase como se uma entidade invisível observasse tudo aquilo, a direção oferece seu olhar empático para compensar a negligência daquela família. É inviável para eles ser sensível à dificuldade de Nita, eles são muito egoístas para isso.
Tanto egocentrismo descarado só pode resultar em injustiça, agravada pelo fato de que só um mau caráter fingiria não ver. O retrato da desgraça é sujo e incomoda, move o espectador ao mostrar que não existe limite para o quão cretino o ser humano pode ser. Até mesmo com a mão que o alimenta.