Escrever sobre obras como “The Godfather” parece ser redundante hoje em dia. Universalmente aclamada como uma das melhores da história e, no mínimo, conhecida por qualquer pessoa que tenha visto uma dúzia de filmes na vida, esta obra prima de Francis Ford Coppola sempre dá um jeito de exibir sua reputação: seja nos 3 Oscars, no Metacritic de 100, nas várias listas de melhores filmes ou no Tomatometer de 99% — apenas uma pessoa deu uma crítica negativa. Não vou estar contando novidade alguma ao dizer que também considero este longa um dos meus preferidos, mas acho injusto deixar um gigante do Cinema passar em branco num site que preza por bons filmes.
Os Corleones têm muito do que se espera de uma família italiana: respeito pelas tradições, laços familiares fortes, jantares regados a macarrão e tomate, entre outras coisas. Eles também são uma das cinco grandes famílias do crime da região de Nova York, prosperando com prostituição, contrabando e jogos de azar enquanto contam com a influência de políticos e gente poderosa para não entrar em problemas. No entanto, novos tempos significam novos empreendimentos. A chegada de um magnata das drogas em Nova York dá início a uma série de eventos críticos, que mudam a família Corleone de dentro para fora numa guerra de ideais, gerações e interesses.
Este é um daqueles filmes com tantas coisas boas que torna difícil apontar exatamente o que faz dele tão bom. A resposta simples seria: “Bem, ele funciona!”. E isso é verdade em todos os sentidos. Ainda que não seja a resposta mais completa, ela está no centro do porquê “The Godfather” é excelente. A princípio, este longa pode assustar o espectador desavisado com sua duração de quase 3 horas, noção que rapidamente some quando a história flui sem deixar rastros de cansaço. Um evento segue o outro e é seguido por outra dezena de eventos que simplesmente levam a trama adiante. Mas não é isso que todos os filmes fazem? Isso é o que todos deveriam fazer. Francis Ford Coppola estabelece uma história que vai sempre para frente, dá atenção ao passado e mantém o espectador sempre preso ao presente. Como outras de minhas obras preferidas, passa o sentido de ser completa em tudo o que se propõe. Da mesma forma que os Corleone são uma família tradicional com um plano de fundo criminoso, “The Godfather” é mais que um filme sobre gângsteres de terno e revólver, ele transcende convenções de gênero criando sua própria mitologia ao mesmo tempo que estabelece novos padrões.
Mas que não haja engano: criar uma mitologia, um universo, não é o mesmo que obras de Fantasia costumam fazer. Aqui isto significa substância, explorar os personagens e o contexto onde eles vivem, dar plano de fundo para um, motivação para outro e consequentemente personalidade para todos. O melhor de tudo é que, novamente, tudo simplesmente funciona. Há maneiras e maneiras de fazer o que “The Godfather” faz. Poderiam mostrar uma demonstração de poder do característico Vito Corleone (Marlon Brando) e logo em seguida justificar esse respeito com um flashback; ou ainda uma intensa briga de casal ser vista como aleatória por ninguém ligar para os envolvidos. Aqui não, logo na primeira cena isso já fica bem claro. Fora da casa, parentes fortalecem laços familiares com canções tradicionais, comida e vinho; na parte de dentro, Don Corleone atende o pedido de um colega por não poder recusar nada no casamento da filha. Assim dita a tradição. Não bastasse a excelente execução desse casamento e como ele simplesmente entretêm quem assiste, há ainda uma grande importância dessa sequência para o roteiro; um gancho para a próxima sequência de cenas e várias outras. Em um evento que poderia ser estilo sem conteúdo se encontra uma contextualização mais rica que o desenvolvimento de filmes inteiros.
Este é o tipo de roteiro inteligente que segue sem depender do empurrão de apenas um evento. Algo que acontece no final pode ter seu trajeto organicamente traçado no desenvolvimento. Procurar pelas pistas que levaram até certa conclusão não é tanto uma investigação, mas um processo intuitivo; o espectador sente os ecos de acontecimentos passados quase como picos de consciência. É assim que a história e o próprio”The Godfather” num geral se apresentam ao seu público: é uma experiência tão rica quanto acessível para sua audiência. Críticos, acadêmicos e especialistas em Cinema desfrutam da extensa disposição de qualidades cinematográficas, o espectador casual pode ficar confortável na cadeira e aproveitar o passeio. Não é preciso prestar atenção em como as personalidades se transformam para admirar a atuação de Al Pacino, nem no fato do Don de Marlon Brando não ser o protagonista — embora frequentemente digam que sim — para imprimir na memória frases como: “I’m gonna make him an offer he can’t refuse”. “The Godfather” é arte em seu sentido mais prático: planejamento até que tudo pareça produto da espontaneidade. Cada escolha parece ter sido a mais sensata. Sem espaço para um ator mal escolhido ou cena mal conduzida, este filme segue seu caminho graciosamente tanto por fora quanto por dentro, quase com a segurança de algo que sabe seu próprio valor. Um espectador pode até chegar esperando outro clássico superestimado; dificilmente não acabará imerso neste universo construído por enredo e personagens fortes, imagens sóbrias e uma trilha sonora que cimenta a sensação de fazer parte de uma família como aquela.
No fim das contas ainda me sinto onde comecei: convicto de que é uma obra prima, mas a um passo de descobrir todos seus segredos. Ele simplesmente funciona. Não é difícil de gostar de algo assim. Longe de ser uma obra de nicho, este é um fenômeno que audiência e crítica aplaudiram, que deixou os estúdios satisfeitos com o retorno financeiro e que ainda deu ao Cinema uma grande referência. É o conjunto de vários elementos bem conduzidos e tão bem aceitos que criou um clichê gigantesco: elogiar a obra-prima de Francis Ford Coppola é afirmar o óbvio. É mais fácil achar alguém que não goste de Cinema que alguém que ache “The Godfather” ruim, o que no fim é praticamente a mesma coisa.