Em 2015, Eddie Redmayne impressionou o público por ganhar tanto o Globo de Ouro quanto o Oscar de Melhor Ator por “A Teoria de Tudo“. De fato, sua performance foi boa, mas não foi nada do mesmo nível que Michael Keaton em “Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)“. Pouco tempo após suas vitórias, foi anunciado que o próximo papel de Redmayne seria um personagem transgênero. Prometendo muito, este filme, infelizmente, se mostra como a primeira bomba do Oscar, aquela obra que faz muitos se perguntarem porque diabos ela está entre os indicados.
A temática já diz tudo, pois ela conta outra história de vida, outra trama de transformação colocada num contexto histórico e até mesmo baseada em fatos reais, para completar. Enfim, uma obra fraca que surgiu entre bons filmes apenas por sua temática. Na Copenhague dos Anos 20, o casal de artistas Einar (Eddie Redmayne) e Gerda Wegener (Alicia Vikander) vive de sua arte; ambos são pintores em começo de carreira, procurando fazer seu nome. Entretanto, o marido passa por uma crise de identidade, e de gênero, depois de usar roupas femininas enquanto sua esposa o pinta como mulher. O sucesso do quadro piora ainda mais a situação, abalando o estado mental de Einar e seu casamento.
Já dizia Robert McKee que uma obra de época só tem valor se tiver algo para falar sobre o presente. De fato, “A Garota Dinamarquesa” chega em boa hora quando um dos assuntos mais debatidos hoje é a identidade de gênero. No entanto, o argumento deste filme acaba deixando a desejar por não trazer à mesa nenhuma novidade. Isto não é dizer que ele não tenta, pois ao menos três pontos são trabalhados em volta da transformação de Einar Wegener em Lili Elbe. O primeiro deles é como essa mudança afeta o casamento do casal, como a esposa perde o marido e ganha outra pessoa no lugar; o segundo trata de como a sociedade da década de 20 enxergava esse comportamento; e o terceiro como o próprio personagem principal digere todo esse processo.
Destes três, o que é melhor executado sem dúvida é como o casamento sofre e muda conforme Einar se transforma. Inicialmente, nem este aspecto vinga, pois os personagens simplesmente são desprovidos de qualquer empatia. O personagem de Redmayne não passa de uma pessoa tímida, que mostra que todo comportamento seu não tem personalidade. Seus diálogos são travados por serem meramente reativos e seu comportamento é todo em função dos caprichos de sua esposa; quase tudo que sai da boca do personagem é meramente uma resposta a a algo falado por outra pessoa. Ela, por sua vez, anda o tempo todo com o nariz empinado, mantendo uma pose condescendente e arrogante que apenas distancia ela do espectador. Só quando a casa começa a desmoronar que as coisas melhoram. Ao menos para Alicia Vikander, isto é, que deixa de lado a parte desinteressante de sua personagem para encarnar uma esposa perdida num dilema obscuro, dividida entre dois sentimentos: a solidão, por perder um parceiro, e a compaixão, para ajudar quem ela ama numa situação difícil.
Sobre a maneira como a sociedade lida com a situação do protagonista, até dão uma boa pincelada no assunto, embora este não seja realmente o foco. A melhor parte é explorada na procura do casal principal por um médico que ajude com a situação, enquanto a pior acontece quando recorrem a um clichê social para bater na tecla sofrimento. Se até hoje a homossexualidade não é completamente aceita, é de se imaginar que em 1926, uma época de repressão social, as pessoas rejeitariam esta opção sexual. No entanto, nem a exploração do casamento, nem as consequências sociais recebem muita atenção. Claramente, tudo é um segundo plano para destacar Eddie Redmayne no papel principal. Por si, essa é uma decisão questionável pois não acho que seu personagem tem força para tornar o filme mais interessante, fato que complica tudo para a atuação de Redmayne, que deve se empenhar por um personagem mal representado. Sua atuação em si não é ruim — embora também não seja digna de destaque — e seria melhor vista se não fosse destruída pelo modo como a história representa a transformação do protagonista. Todo o processo parece mal explicado e extremamente simples, como se mudar de gênero fosse simples como ação e reação. Basta colocar o vestido para sentir a progesterona e o estrogênio tomando conta de seu corpo.
Pior ainda é o fato das feições do ator não serem nem um pouco andrógenas, ele é claramente muito homem para passar despercebido como mulher; tanto que me senti vendo “Some Like It Hot“, que é um ótimo filme, mas que simplesmente vai contra a proposta de “A Garota Dinamarquesa”. Vão além ainda na destruição da caracterização de tal personagem ao colocar em jogo uma série de explicações e complicações desnecessárias, que mostram a indecisão do roteiro quanto a origem de toda aquela mudança. “A Garota Dinamarquesa” é um filme que realmente tinha muito potencial por tratar de um assunto contemporâneo e importante, mas que falha por ser desprovido de um roteiro que amarre bem as esferas de conflito relacionadas ao fenômeno apresentado.