Quem assistiu “On the Waterfront” deve ter ouvido falar de seu plano de fundo polêmico. Seu diretor, Elia Kazan, foi convocado diante do Comitê de Atividades Anti-Americanas em 1952 e citou o nome de diversos colegas de trabalho em depoimento, que foram colocados numa lista negra e impedidos de trabalhar por décadas. Nesta obra, o espectador é apresentado ao outro lado, à realidade daqueles que sofreram com as atividades deste comitê. Quem procurava uma razão para dezenas de artistas não terem aplaudido Kazan em 1999, quando ele recebeu um Oscar honorário, com certeza achará uma porção delas aqui.
Não, “Trumbo” não é nenhum tipo de trocadilho com “Dumbo”, nem um filme de comédia; é o sobrenome de Dalton Trumbo (Bryan Cranston), roteirista que já esteve entre os mais bem pagos de Hollywood. Contudo, ele era fazia parte do Partido Comunista justamente quando a América começou a temer a tal Ameaça Vermelha. Logo estavam dizendo que os comunistas do país eram agentes do caos, que queriam destruir o estilo de vida americano, resultando em um comitê para calá-los. Dalton Trumbo, fiel aos seus ideais, não nega suas convicções nunca e acaba impedido de trabalhar por mais de uma década, chegando a servir 11 meses de prisão. Mas como era de se esperar de alguém radical como ele, não seria John Wayne ou Hollywood inteira que o impediriam de fazer seu trabalho.
Bryan Cranston está absolutamente espetacular em seu papel como Dalton Trumbo. Poderia dizer que ele está apenas absolutamente espetacular, mas aí estaria apenas dizendo o óbvio. Também não vou dizer que o ator parece estar confortável, pois é justamente o desconforto que faz sua interpretação ser tão excelente. O protagonista é um homem descontente: a situação de seu país não é aquela que ele busca, então ele vive na luta por mudança. Mesmo quando vivia a vida boa num rancho sofisticado, as discussões e conflitos de ideais eram frequentes. A cabeça de um homem desse não é daquelas que aproveita o momento, é uma que contempla possibilidades eternamente. Não é de se espantar que ele tenha tomado a escrita como profissão; é exatamente o mesmo raciocínio, só muda o contexto. Em vez de pensar na próxima revolução, imagina o próximo passo da história. É essa mentalidade que é tão bem capturada por Cranston; as palavras bem escolhidas dos diálogos ganham vida e tornam-se definições de personalidade. Assim o personagem se fortalece.
Uma idéia frequentemente repetida neste filme e por muita gente, no geral, é que toda história comum esconde algo bom em suas palavras. Isso levanta uma questão curiosa: como um filme sobre um grande roteirista pode ter um roteiro tão simples? Não é como se ele fosse plenamente ruim, mas é quase o mesmo que filmar “Alice no País das Maravilhas” em preto e branco ou dirigir mal um filme sobre Steven Spielberg. Parece que simplesmente falta alguma coisa. O tempo todo vangloriam as habilidades do protagonista como escritor, mostram que seus roteiros ganhavam Oscars mesmo sem ele ser creditado. Mas onde está a genialidade de sua própria história de vida? Talvez devessem ter falado para Trumbo que sua vida viraria filme, assim ele teria escrito o roteiro antes de morrer.
Normalmente gosto de um roteiro bem amarrado, enxuto e sem excessos desnecessários. Contudo, esta característica está meio negativa aqui. Não vemos um segundo demais de Trumbo escrevendo em sua banheira, nem ele fazendo algo que seja redundante em termos de história. Isso leva a algo que o próprio protagonista fala durante o filme: o diretor Otto Preminger reclama que uma cena não está épica o bastante, ao que o roteirista responde que nem todas as cenas devem ser lendárias, a casualidade de algumas destaca outras. Este parece ser o principal problema aqui, tudo está tão embrulhadinho que o filme parece uma coletânea com os melhores momentos da vida de Dalton Trumbo. Falta espaço para o normal e o comum para que a história tenha um pouco mais de humanidade. Por outro lado, os acontecimentos que escolheram são mais que o bastante para contar uma boa história. Os eventos são interessantes e, basicamente, falam por si. Ver John Wayne e outros artistas como pessoas de verdade é impressionante, uma demonstração que estende suas personalidades cinematográficas consideravelmente e dá, novamente, o ar épico que parece estar em quase tudo aqui. Ao menos essa coletânea de melhores momentos é realmente uma boa coletânea.
Mas se este longa-metragem merece crédito por algo é por sua representação de Hedda Hopper. Até este filme, eu nunca achei que poderia ter sentimentos tão fortes por uma pessoa da qual só tinha ouvido falar. Helen Mirren dá uma interpretação tão impetuosa como Hopper que eu realmente tive vontade de esganá-la. Tão petulante que sua capacidade de gerar ódio é comparável a outros seres detestáveis do cinema — como a Emma Small de Mercedes McCambridge em “Johnny Guitar“. No fim das contas, o saldo de “Trumbo” é bem positivo. A única implicância fica no fato do roteiro ser um tanto esquisito: seus eventos são extraordinários, mas o arco de história parece artificial; ainda assim, a trama é boa, mas não chega perto da, constantemente sugerida, genialidade de seu protagonista.