Antes de tratar sobre a obra em si e sua qualidade, creio que um pouco de plano de fundo seja digno de realçamento. Em 1952, a Guerra Fria estava à todo vapor, e a caça aos comunistas nos Estados Unidos se mantinha com força. Elia Kazan, o diretor deste longa-metragem, delatou em 1952 oito companheiros da indústria cinematográfica para o Comitê de Atividades Não Americanas. Através deste ato, Kazan perdeu muitos de seus amigos em Hollywood e se tornou uma figura controversa por muito tempo. Tendo em vista o tema do enredo desta obra, é difícil não enxergá-la como uma justificativa descarada para seus atos. Mas independente disso, pode-se ver que apesar de questões éticas e políticas, a perícia do diretor permanece ao entregar um ótimo filme.
A história contada é a de Terry Malloy (Marlon Brando), um ex-boxeador que ganha a vida com trabalhos manuais no porto local. Com a máfia tendo comando absoluto dos negócios portuários, a situação para os trabalhadores não é facilitada pelos mafiosos reinarem com punho de ferro. Em uma tarefa tipicamente rotineira, uma ação de Terry acaba levando ao assassinato de um dos trabalhadores; evento este que cria dúvidas na cabeça do rapaz sobre o que ocorre de verdade no lugar onde trabalha.
Devo dizer que inicialmente, as coisas não caminham exatamente em ritmo sólido; deixando um pouco a desejar quando se leva em conta a reputação deste clássico. Após o incidente, não demora para Terry se envolver com a irmã do trabalhador morto, Edie (Eva Marie Saint); e através desta relação começar a desorganizar ainda mais as idéias sobre seus chefes. Enquanto acho completamente válido que uma pessoa queira se envolver com uma beldade como a deste filme, é um tanto bizarro ver como esta relação, tão importante para a trama, se desenvolve em primeiro lugar. Não que o relacionamento devesse seguir algum tipo de modelo para ser aceito, mas a maneira como este é representado não exibe-se em concordância com o conflito mental do protagonista. As motivações do personagem de Brando são mais que explícitas, mas por outro lado o espectador poderá se perguntar o que diabos passa pela cabeça de Edie.
Após um começo turbulento, o filme logo passa a ganhar fôlego e brilhar da maneira como esperado. Alimentada por interpretações brilhantes do elenco principal, a história demonstra ao espectador o poder dramático pelo qual Kazan é conhecido. Através de um expressionismo melodramático excelente, Brando faz desta obra seu espetáculo pessoal; roubando a cena uma vez após a outra através de diálogos eloquentes, movimentos corporais vivos, ou até mesmo cruas demonstrações sentimentais. Ver como aos poucos a desconstrução ocorre em seu personagem é um dos temas centrais vistos aqui, e não desaponta nem um pouco neste quesito. Detalhes do passado são guardados para uso futuro, enquanto eventos vão pressionando-o até o ponto que sua bomba mental estoura. O resultado é uma fantástica sequência de excentricidades, que mais que qualquer outro aspecto fazem valer o filme por si.
Entretanto, ver os eventos por si próprios é no mínimo uma amenização dos sucessos existentes atrás dos panos. Alguma coisa deve funcionar como a ligação ente personagens, atuações, enredo, e o próprio espectador. Neste caso em especial, quem se faz responsável pela conexão tão orgânica entre estes elementos é Elia Kazan. Apesar de em teoria esta ser uma das funções do diretor, se não a principal delas, é uma coisa totalmente diferente ver uma tarefa tão bem executada como é visto neste trabalho. Com uma trilha sonora fazendo jus à intensidade do diretor, a experiência pode ser muitas vezes comparada a uma tempestade perfeita. Não tanto no sentido de conter elementos com potencial de fracasso, e ter sucesso apesar disso; mas sim no significado de ter uma série de estrondos curiosamente organizados entre si. O que chama a atenção nestes tais estrondos, é que por mais intensos que os mesmos sejam, eles ainda se mostram bem diretos. Podendo ser comparado ao poder de uma explosão concentrado em um pequeno ponto, sem desperdício de energia em lugares desnecessários. Talvez isto tenha uma coisa a dizer sobre a posição do diretor em seu posicionamento político, mas é melhor tentar deixar estes aspectos de lado para não macular a imagem desta obra.
Este longa-metragem inicialmente começa como uma leve bagunça de elementos, que logo se organizam bem o bastante para entregar algo excepcionalmente bem arrojado. A maneira como um elemento transforma, influencia, e se relaciona com outro é louvável, e em poucos trabalhos tantos bons aspectos parecem se mesclar tão bem. Mesmo assim, este filme está um pouco longe da perfeição, mostrando um começo relativamente mal estruturado em comparação com o ótimo trabalho exposto mais adiante. Com caráter político ou não, esta obra permanece extremamente aproveitável, mesmo que o espectro das decisões pessoais de Kazan estejam sempre à espreita.