Numa época em que as redes sociais facilitam o debate sobre qualquer assunto, especialmente os de caráter social, um filme como “Carol” funciona muito bem. Não só para o público em geral, os responsáveis pelo Oscar também permanecem satisfeitos por terem outro drama de época em mãos. Ao menos este longa-metragem não é um exemplo de obra que tira proveito de seu conteúdo para se vender. Não é só mais um filme que toca em assuntos controversos — dado o contexto da história — é um bom filme que constrói sua história e seus personagens sobre um plano de fundo notável.
Therese Belivet (Rooney Mara) é uma garota comum. Quem olha para ela não vê muito mais que um rosto bonitinho como front de uma pessoa tímida. Nem mesmo seus sonhos mostram algum tipo de personalidade, todos são estereótipos dos Anos 50: todo dia de manhã ela sai para trabalhar em uma loja de departamentos como vendedora, ganhar seu dinheiro, pagar as contas e talvez um dia se casar com seu namorado. No entanto, um dia ela conhece Carol (Cate Blanchett), uma mulher de meia idade que chama sua atenção. Uma coisa leva a outra e o relacionamento estritamente profissional passa a se tornar íntimo conforme as duas se encontram cada vez mais. Ambas aproveitam o que têm juntas, até a hora que o ex-marido de Carol começa a complicar tudo. Ele quer sua mulher de volta a qualquer custo, estando disposto a envolver a filha pequena deles para conseguir o que quer.
Quando um filme aborda um assunto controverso ou polêmico, uma das qualidade que valorizo muito é moderação na hora de contar sua história. Não é incomum que pensem em discursos exagerados e atuações teatrais quando falam em Drama. Um homem apaixonado cai de joelhos no chão e grita quando descobre que sua amada está com outro. Uma mulher se debruça sobre o parapeito de sua sacada e chora em uma crise de solidão. São imagens frequentemente associadas ao sentimentalismo, algo que se espera — mas não necessariamente se deseja — em um filme como esse. “Carol” vai além destas expectativas e não se mostra apenas moderado, está na medida certa entre o que os padrões da época ditavam e a exposição necessária para que a audiência absorva o relacionamento entre as protagonistas. Algo comportado com foco, algo focado com sutileza o bastante para evitar o profano. Não existe agressividade na hora de mostrar a intimidade, pois o filme não pede isso; o material é bem manuseado da mesma forma como uma mulher experiente cuidaria de alguém jovem e inocente.
O lado negativo de se manter fiel a alguns preceitos de época é que os relacionamentos de antes não iam até o fim tão rápido que nem hoje, logo as coisas vão pra frente em passo de formiga. Começa com um olhar, uma conversa fiada, um convite, um encontro, até que as coisas comecem a engrenar de verdade. Na prática, isso resulta em um ritmo extremamente devagar; devagar o bastante para me dar sono (Embora as poltronas do Sala VIP tenham sua parcela de culpa). Os eventos realmente cruciais estão bem espaçados e contam com uma porção de acontecimentos menores entre eles, frequentemente refletindo o estado de espírito das personagens. É uma idéia que faz todo o sentido, na teoria. Um relacionamento qualquer já revira a programação do cérebro, um relacionamento incomum como o apresentado aqui com certeza afeta ainda mais. O problema é que a personagem de Rooney Mara parece ser tão chata, indecisa e até um pouco descontrolada que é incômodo ver como ela enfrenta aquilo tudo. Ou há tanta coisa na cabeça dela, que ela não pensa em nada; ou ela realmente é tão sem graça quanto aparenta. Há muito em jogo neste romance e tudo que ela parece se preocupar é manter a mesma expressão o filme inteiro.
Mas se a personagem foi desagradável em algum momento, foi muito mais por conta da maneira como ela foi escrita do que pela atuação de Mara. Não sei até que ponto o filme é fiel ao livro, pois não li a obra de Patricia Highsmith; embora ainda assim acredite que o livro deva ter se aprofundado um pouco mais em Therese. Para mim, um livro de quase 300 páginas tem espaço de sobra para abordar este ponto. De qualquer forma, a suposição vale porque, independente de fidelidade, poderiam ter tocado melhor neste ponto, ainda mais quando se fala em uma adaptação. Rooney Mara faz o que pode, enquanto Cate Blanchett abraça completamente o papel entregue em suas mãos. Claro, pensando de maneira mais objetiva, faz todo o sentido que ela brilhe mais que sua parceira, seu papel é bem maior. A importância de sua personagem na história permite que ela tenha mais liberdade, que acaba refletida no jeito como ela conduz o relacionamento. Ela é a voz da experiência, ela já fez aquilo antes, ela sabe exatamente o que quer. Tanta firmeza e determinação só podem ser entregues por alguém competente e confiante em seu posto, alguém como Blanchett.
Não é uma de suas interpretações mais destruidoras, nada supera “Blue Jasmine“, porém parece ser o bastante para render outra indicação ao Oscar. Blanchett é uma das melhores atrizes da atualidade e com este longa mostra estar extremamente disposta a manter esta imagem. Quanto a “Carol”, é uma boa história de como um romance pode se desenvolver até mesmo no mais restritivo dos ambientes, embora seja um pouco lento demais para seu próprio bem.