Possivelmente um dos melhores trabalho de Woody Allen de todos os tempos, este drama contemporâneo apresenta uma das temáticas mais atemporais e profundas da carreira do cineasta. Contando com uma atuação recheada de premiações para Cate Blanchett, este filme transmite seu conteúdo quase exclusivamente através do movimento gracioso de sua protagonista, que descolou para a atriz nada menos que um Oscar, um Globo de Ouro, e um BAFTA.
Jasmine French (Cate Blanchett) é uma socialite bem casada, e com situação financeira mais que estável. Acostumada a nada menos que extravagâncias em sua vida, Jasmine fez questão de deixar no passado toda a sua vida de antes da riqueza, incluindo sua irmã Ginger (Sally Hawkins). Entretanto, quando seu marido perde toda a sua fortuna para o governo e sua vida para um pedaço de corda, a protagonista se vê forçada a voltar para suas origens; junto de sua irmã e seu estilo vida nada sofisticado.
Sendo um estudo de personagem em sua essência, não há muita trama para ser contada que passe muito longe do foco na protagonista. Aos poucos o escopo é expandido através de ocasionais flashbacks, que são inseridos para elaborar um pouco sobre o passado de Jasmine; ao mesmo tempo servindo como inteligentes contrastes para a nova vida da personagem principal. Progressivamente, mais se sabe sobre os aparências e as máscaras de Jasmine, pilares centrais da vida dela, e que não demoram para mostrarem-se como a razão de seus conflitos futuros. No entanto, o que faz dessa narrativa simples algo mais potente e catártico, é a capacidade do diretor de dar um ar realista à situação toda; característica não muito comum do cineasta, mas que aqui funciona perfeitamente.
Não é difícil para o espectador se imaginar no lugar da protagonista, independente de sexo e contexto. A crítica social de Woody Allen transcende os limites do que é exposto em filme, se encaixando na vida de pessoas completamente diferentes de Jasmine, mas que de alguma forma enfrentam o mesmo dilema todos os dias. Ao contrário das auto paródias características de Allen, com alfinetadas em sua essência, o desenvolvimento psicológico da personagem de Blanchett é tratado de uma maneira muito mais sórdida. Não há estrutura pré-fabricada para a redenção da personagem, apenas a dura e fria realidade. Realçando a dificuldade do enfrentamento de problemas ao juntar personagens de esferas sociais e personalidades completamente diferentes, o diretor cria uma envolvente dinâmica de mudança constante entre os envolvidos. A questão é que ao englobar mais de um personagem e tentar manter a duração do filme mais curta, algumas questões acabam carecendo de uma conclusão tão satisfatória quanto seu desenvolvimento. Dizendo isso não me refiro ao final, pois a incompletude de sua essência em nada interfere na narrativa de Jasmine; mas sim a outro arco de história envolvendo Ginger, que infelizmente não é bem condizente com o resto do filme.
Sendo uma obra carente de uma narrativa complexa, os personagens acabam encarregados de manter a atenção do espectador fixa. E se isso de alguma forma fizer esta obra parecer menos atraente, devo dizer que um conjunto de interpretações espetaculares mais que fazem a experiência cinematográfica ser inesquecível. Em particular, Blanchett brilha aqui como poucas atrizes brilharam na história do cinema; entregando uma atuação digna de ser lembrada junto de outras excepcionais demonstrações dramáticas. Seja através de maneirismos, expressões, tons de voz, ou movimentos, nada é poupado na hora de potencializar a representação dos conflitos de Jasmine; que em conjunto de uma direção competente e diálogos robustos, entregam um dos desenvolvimento espetacular. Para amplificar o impacto dos eventos apresentados, contrastes novamente são usados. Mas neste caso é Bobby Cannavale que brilha através de outra atuação espetacular, não chegando tão perto do sucesso da protagonista por falta de espaço na trama; mas de qualquer forma apresentando um personagem forte, e curiosamente o extremo oposto de Jasmine em termos de personalidade. Enquanto um deles se esforça para ser a personificação da riqueza e do luxo, sendo vazia por dentro e frágil por fora; o outro exibe-se como o vigor em pessoa, usando de seus defeitos para criar força e enfrentar seus problemas. Entre eles há a menos brilhante Ginger, mostrando-se perdida na hora de escolher por qual caminho vai levar sua vida.
Mesmo não tendo visto todos os filmes de Woody Allen, creio poder afirmar que mesmo podendo haver filmes melhores do cineasta, este com certeza será um destaque por ser tão magnificamente executado. Personagens fortes compensam uma narrativa mais sutil neste profundo estudo de personagem, com interpretações potentes marcando presença. Se alguma vez a Academia errou na hora de entregar sua famosa estatueta, nessa ocasião a vitória da atriz principal foi mais que merecida.