O jornalismo é, por si, uma área polêmica. Por um lado, a ética de profissão envolve o compromisso com a informação e a verdade; por outro existem as tais complicações por trás da profissão. Querendo ou não, muitos, se não todos, os jornais funcionam como empresas, preocupadas com mais do que simplesmente informar seu público. Lucro, concorrência, circulação, notoriedade, sensacionalismo, entre outros, são todos fatores que estão envolvidos no contexto jornalístico; mas até que ponto estes mesmos fatores devem interferir no exercício da profissão? Num mundo capitalista não há como simplesmente excluí-los, todos estão ligados e uma coisa leva a outra. Vale a pena pensar um pouco no assunto, considerando a importância da área para a sociedade em geral, e mais ainda quando um ótimo filme como “Spotlight” trata disso.
Baseada em fatos reais, a trama acompanha a Spotlight: a equipe de investigação jornalística mais antiga dos Estados, parte do jornal Boston Globe. Dessa vez, seus membros têm a missão de correr atrás de uma série de escândalos envolvendo a Igreja Católica; vários sacerdotes estão sendo processados legalmente por abuso sexual, cometidos contra crianças da paróquia. Um assunto grande como esse poderia até falar por si, mas o envolvimento da Igreja em quase todos os níveis da comunidade torna qualquer tipo de investigação difícil. Dessa forma, a equipe deve conduzir seu trabalho com firmeza para manter-se fiel à ética de sua profissão e evitar constrangimentos desnecessários.
Qualquer história, mesmo pequena, pode se tornar gigante nas mãos do contador certo. Tropeçar e cair na calçada pode ser trágico ou cômico, por exemplo. A história de uma equipe de jornalistas que revela uma das maiores redes de pedofilia poderia ser algo bombástico, um marco na história do jornalismo, um modelo para ser seguido por todos os acadêmicos da área. Mas não é. O modo como Tom McCarthy apresenta seu filme é casual e pouco preocupado com as emoções. O diretor mostra-se moderado, deixa os acontecimentos falarem por si. Um padre abusar de crianças da paróquia já é algo impactante, não é preciso que o evento seja prostituído para que as pessoas entendam a gravidade da situação. Entretanto, o que é curioso nisso tudo é como o diretor mostra fidelidade ao seu produto, mais especificamente aos personagens nele inseridos. Os jornalistas inicialmente vêem a polêmica como uma oportunidade de escrever uma matéria bombástica, mas conforme vão investigando notam a seriedade de tudo aquilo. Não demora para que o esforço deles seja alimentado pela preocupação com as vítimas e a comunidade em geral. Assim como o diretor, seu compromisso passa a ser com os fatos, não com o sensacionalismo.
Essa direção reflete, especialmente, o dilema mencionado anteriormente, que também é trabalhado pelo enredo do filme. Assim como a imprensa, o cinema também funciona como uma empresa, procuram fazer arte sem perder a chance de vender ingressos — ou procuram vender ingressos sem perder a chance de fazer arte? — e assim alguns fatores podem impedir as coisas de funcionarem como deveriam. O diretor não só evita clichês e sensações baratas ao expor seus fatos de forma limpa e direta, como também, novamente, é fiel aos seus personagens. Eles também estão inseridos em um meio onde vender jornais acaba sendo mais importante que a ética e, ainda assim, fazem o possível para lutar contra a correnteza e não estragar uma boa ação em prol da ganância e do lucro.
Em outra parte, a direção mostra-se bem alinhada com a performance do elenco, que demonstra excelência ao não ter sequer uma atuação ruim. Rachel McAdams está irreconhecível em seu papel, passa longe de seu passado como interesse romântico do protagonista e encarnar uma personagem reservada e calma. Um sorriso mal sai de seu rosto, pois sua mente está completamente focada em seu trabalho, não há tempo para bons pensamentos. Mark Ruffalo é outro que impressiona e mostra que os Vingadores têm, de fato, bons atores. Do irmão protetor e afetuoso de “Foxcatcher“, o ator vai para um jovem rapaz e cheio de energia, sem tempo para perder com bobagem. Ambos os atores contam com Michael Keaton no comando da Spotlight, novamente em uma atuação competente, embora menos chamativa que a de”Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)“. Melhor do que boas atuações por si, notar como cada atuação molda uma pessoa diferente da anterior torna-se um show à parte. Todos estão unidos por um mesmo objetivo, enquanto todos trabalham e digerem aquele material de maneira diferente.
Mais do que qualquer coisa, “Spotlight” mostra que o cinema sólido, compromissado com sua história e seus personagens tem bons resultados; assim como o jornalismo respeitável, que segue a ética de sua profissão e valoriza os frutos resultantes disso também pode ter seu tão famigerado sucesso. É com esse compromisso, uma história boa como base e um elenco forte que este longa-metragem se posiciona entre os melhores de 2015. Sim, 2015 pois novamente o Brasil atrasou o lançamento e deixou para o próximo ano.