Uma das primeiras obras apropriadamente definida como Noir, “The Maltese Falcon” estrela Humphrey Bogart e precede muitas jóias do gênero, como “Double Indemnity“, mas mostra que não deve nada a elas. Embora seja um dos primeiros, ao contrário de “M“, que pode ser considerada da parte mais arcaica do gênero, aspectos mais característicos do Noir estão melhor estabelecidos aqui. Ostentando desde a femme fatale até o mistério em torno de um crime, este filme exibe tais elementos tão efetivos quanto foram em seu lançamento há mais de 70 anos atrás.
A princípio, como em outras obras do gênero, pouco se sabe sobre o plano de fundo dos eventos apresentados. Mas logo é revelado que Samuel Spade (Humphrey Bogart) é um detetive particular com escritório em São Francisco, lugar mantido junto de um parceiro não tão querido por Samuel. Numa noite qualquer, uma tal Senhorita Wonderly (Mary Astor) contrata os serviços dos detetives para uma tarefa aparentemente simples: seguir seu cunhado Floyd Thursby. Não demora para o parceiro de Spade e o próprio Floyd serem mortos, restando apenas a tal moça para ligar os pontos neste mistério.
A história toma como base um livro homônimo, escrito por Dashiell Hammett, e teve duas outras adaptações antes da discutida aqui. Ambas falharam em atingir o sucesso crítico e financeiro da terceira, enquanto esta obra foi considerada um dos melhores filmes de todos os tempos. Fama é algo facilmente contestável, pois os exemplos de obras renomadas que decepcionam são muitos. Mas neste caso, devo dizer que se alguma expectativa foi depositada em cima deste longa, as chances de ela ser correspondida são muito altas. À primeira vista, algo que se nota com mais facilidade é a maneira sucinta como a história é contada. Não há enrolação, um evento leva ao outro e no fim das contas todas as perguntas são respondidas. No entanto, dizer que a história é enxuta não é a mesma coisa que falar que sua estrutura é relaxada pelos pontos se conectarem solidamente.
Pelo contrário, a narrativa apresentada é um tanto elegante, com talvez apenas um momento que possa ser apontado como digno de crítica. Pela maior parte do tempo, as informações dadas são poucas e o espectador é deixado quase no escuro. Conforme o enredo avança, fatos vão vazando e em vez de esclarecer algo, a situação vai se complicando. Não só a história vai tomando forma, como também ganha o a tensão e a ponderação do mistério como benefícios. É como se as luzes de um quarto escuro se ligassem, e o espectador passasse a saber onde está, mas não tivesse muita certeza pra onde ir à partir dali. Com exceção de apenas uma sequência nos momentos finais, que revela algumas questões pendentes muito convenientemente, este longa-metragem é muito feliz em sua tarefa de manter uma atmosfera de suspense e mistério constante. Não há margem para ficar adivinhando, “The Maltese Falcon” leva o espectador para onde quer e só revela seus segredos quando quer.
Se a história for considerada por si, entretanto, alguma coisa vai parecer que está faltando. O enredo, como foi concebido, é extremamente dependente de seu protagonista; pois o desenvolvimento extravagante é intimamente relacionado à personalidade do personagem principal. O que por vezes pode parecer desleixado ou desconexo, acontece justamente pelo modo como Samuel Spade opera. Sem perguntas feitas, usando a impulsividade quando necessário e sempre priorizando seu ganho pessoal. Spade é belamente interpretado por Humphrey Bogart em uma demonstração que não deve nada ao seu sucesso em “Casablanca“. Apesar de manter sua pose de canastrão galante, sua interpretação é significantemente diferente. “The Maltese Falcon” apresenta um homem durão e inteligente o bastante para saber quando usar o cérebro e os punhos, claramente preferindo a segunda alternativa. Bogart mantém seu charme de uma forma um tanto mais indelicada, ele prefere causar impacto mais pela assertividade que pela elegância de seu estilo. Quanto ao resto do elenco, seu tamanho reduzido não impossibilita apontar alguns pontos mais altos e baixos. Um destaque entre os coadjuvantes pode ser visto em Peter Lorre, que é deixado em segundo plano por boa parte do filme, mas ainda assim não deixa de apresentar algo novo para seu personagem secundário. Mary Astor, por outro lado, é a única candidata a atriz medíocre de todo o elenco; pois seu papel não é nada mais que ser a femme fatale da trama, sem adicionar nada ao papel em que é colocada. Se normalmente as femmes fatales costumam ser figuras mergulhadas em mistério, neste caso tal posição se resume mais a uma passividade do que um suspense propriamente dito.
Outro filme excelente do Noir, esta obra de John Huston não desaponta nem um pouco ao contar uma história cativante e tensa. Apoiada principalmente por seu protagonista singular, a trama mostra-se moderna e tão efetiva quanto foi em 1941. Sendo dos primeiros Noir oficiais, e dito por alguns como o primeiro de todos, talvez era de se esperar que as coisas não fossem tão bem executadas quanto em outros excelentes sucessores; mas felizmente o primeiro de muitos filmes do gênero ostenta sua qualidade mesmo sete décadas após sua estréia.