Acredito que, ao menos uma vez na vida, toda criança no mundo teve contato com algum movimento anti-drogas. Seja na escola ou na igreja, algum documentário exaustivo sobre os danos das drogas acabou sendo exibido. No entanto, boas intenções nem sempre têm o impacto desejado por usarem os meios errados para transmitir a mensagem. Este é essencialmente um longa-metragem sobre os estragos de substâncias tóxicas na vida de cidadãos comuns, independente das intenções por trás de seu uso. Mais intenso que qualquer palestra de igreja ou discurso de transporte público, este filme tem sucesso em passar sua mensagem ao colocar o espectador literalmente debaixo da pele de vários dependentes.
Ao contrário de outros discursos fortes que retratavam como a droga destruía famílias pobres, como é visto em “The Wire“, aqui o foco é transferido para o cotidiano de habitantes americanos comuns. Donos de vidas consideradas normais, de sonhos e ambições, os mesmos vêem suas vidas mudadas progressivamente ao passo que caem nas garras da heroína e das pílulas. O que torna as coisas mais interessantes, porém, é que esta não é simplesmente uma representação dramática do sofrimento alheio, mas sim um enérgico espetáculo tão impactante quanto significativo.
Sara Goldfarb (Ellen Burstyn) é mãe solteira e dona de casa. Sem muitas aspirações planejadas para o terceiro ato de sua vida, a mesma vê seu cotidiano resumido a uma mesmice que se repete diariamente. Já seu filho Harry (Jared Leto) está perdido no vício faz tempo, chegando a roubar móveis de sua casa para sustentar seu estilo de vida fora da lei. Tudo segue seu curso costumeiro até que o horizonte se expande para os personagens: Sara recebe uma notícia de que em breve estará em um programa de televisão, fazendo a mesma entrar numa onda de tomar remédios para suprimir o apetite; ao mesmo tempo, Harry e sua namorada Marion (Jennifer Connelly) juntam-se a um amigo para começar a lucrar com o tráfico de drogas. Passo a passo, o jogo do vício é levado adiante, e no caminho peças são inevitavelmente perdidas.
Avaliando o plano de fundo superficialmente, pode-se ter uma boa noção do tipo de material que se tem em mãos. A jornada de pessoas em direção ao abismo já foi traçada várias vezes na história do cinema, rendendo inúmeras obras de qualidade. Mas enquanto a direção tomada aqui poderia ter sido facilmente uma puxada para o melodrama, outro inusitado rumo foi escolhido. Com sua história contada através de cortes rápidos, imagens fortes, e até mesmo um tom psicodélico, “Requiem for a Dream” se exalta especialmente por sua astúcia em apresentar um relativamente simples esqueleto de trama como algo envolvente. Essa inovação ao transmitir os sentimentos e eventos para o espectador pode ser facilmente localizada em um aspecto-chave: a edição. O que é visto aqui não é só visualmente excitante, mas também inteligentemente aplicado para amplificar o efeito catártico do que está sendo mostrado na tela.
Poucas experiências se mostraram tão imersivas quanto a vista aqui, onde o espectador pode se sentir nos sapatos dos personagens da tela sem esforço. Muitas vezes um certo carinho por um personagem ou por uma trama é adquirido quando há uma identificação por parte de quem os assiste, eventos da vida e situações parecem se encaixar organicamente, como se as mesmas acontecessem novamente. Embora seja um processo interessante sem dúvida alguma, este não se faz necessário aqui para compreender perfeitamente como cada um se sente sobre sua própria condição. Mais que simplesmente retratar vários trajetos em direção ao fundo do poço, esta obra apresenta um questionamento interessante sobre a moralidade por trás do uso dos tóxicos. Seria o prazer puro o único motivo existente para o uso de drogas? Ou ter um intuito de bom coração faz tudo ser justificável? Considerando que os pontos de vista sobre o uso de entorpecentes se mostram em quantidade aqui, o efeito do sucesso da Edição de som e imagem em cima teria que ser à altura, e felizmente esse é o caso.
Acredito que, assim como um amigo falou, este filme deveria ser passado em escolas e outros lugares por seu valor educativo. Este está milhas longe de ser um documentário de caráter educativo, mas a intensidade das imagens em conjunto com o tema abordado pelas mesmas entrega um prato cheio: não só um longa-metragem de significado socialmente relevante como também uma experiência imersiva e envolvente, capaz de prender a atenção e o foco do pensamento de seus espectadores além dos próprios créditos finais.