Criado a partir de uma idéia envolvendo uma pessoa que foge da sociedade em seu balão voador, “Up” começou a ser escrito em 2004 por Pete Docter, Bob Peterson e Thomas McCarthy. Com o tempo, detalhes foram sendo adicionados como a escolha do protagonista ser um idoso rabugento e a introdução de uma criança como um dos personagens principais. Boa parte da inspiração dos ambientes criados foi adquirida nas diversas viagens dos criadores pela América do Sul, e mais especificamente pela Venezuela. Misturando o visual cartunesco com a realidade, os ambientes visitados tiveram de ser traduzidas para algo palpável, pois a realidade era tão absurda que as pessoas não acreditariam se eles fossem colocados diretamente.
A história contada é a de Carl Fredricksen, um senhor de idade que vive em sua casa desde que se casou muitos anos atrás. Após a morte de sua esposa, Carl segue em frente quase totalmente por causa da nostalgia de viver na casa que um dia compartilhou com ela. Recusando as inúmeras propostas de abrir mão de seu lar quando executivos decidem usar seu espaço para construir prédios, Carl é forçado a abandonar sua casa e morar em um lar para idosos depois de decisão na Justiça. Antes que possa abrir mão de tudo, o velho literalmente levanta vôo em sua casa com a ajuda de milhares de balões em busca de um lugar paradisíaco, a viagem dos sonhos de sua falecida esposa. O problema surge quando a viagem de um homem só é abalada pela presença acidental de Russel, um garoto escoteiro que estava na varanda quando a casa foi aos ares.
Devo dizer que novamente a Disney/Pixar acertou a mão em uma animação, entregando ao público uma produção soberba e inovadora em relação ao lançamento precedente a este, “Wall-E”. Abordando temas maduros com uma pegada mais suave, esta animação vai além de um visual bonitinho acompanhado de uma porção de trocadilhos e uma música bacana. Ao incluir tópicos como luto e sonhos de vida na senilidade, os roteiristas dão uma riqueza de conteúdo raramente vista em filmes do gênero. Arrisco traçar uma comparação com “Nebraska“, filme de drama lançado em 2013 envolvendo as angústias terceira idade, ao dizer que este é uma versão infantilizada e leve do mesmo. Mesmo tendo uma entonação completamente diferente, ambos trabalham muito bem com o conceito de sonhos de vida eternamente adiados, e eventualmente redescobertos no decorrer da velhice.
Grande parte da magia deste longa está na sutileza presente na apresentação destes tópicos maduros. Começando com sequências carregadíssimas de sentimentalismo, o filme logo de cara entrega uma bomba emocional através de uma série de cenas contando a história de vida do protagonista. Inicialmente parecendo os curtas-metragens que precedem os filmes da Disney, como o jogo de xadrez dos velhos em “Toy Story”, essa sequência introduz o personagem e faz com que o espectador tenha uma empatia instantânea pelo mesmo, transformando sua personalidade rabugenta e ranzinza em algo compreensível, reflexo de uma pessoa ferida e quebrada pela vida. Quando Russel entra em sua vida, Carl vê nele partes de sua vida que, embora um dia brilhantes, acabaram morrendo com o tempo. A imagem de um filho que nunca nasceu representando as sombras do passado do protagonista apenas reitera essa sutileza ao colocar o assunto em jogo, porém de maneira não tão explícita. O problema está em alguns deslizes por parte da manutenção dessa linha discriminativa, que por vezes perde sua solidez e acaba abalando a entonação do filme um pouco demais. Exemplo disso está em alguns momentos quando o rumo tomado acaba sendo um bobinho demais, colocando desnecessariamente piadas onde elas não são tão bem vindas.
Ter tópicos tão profundos bem inseridos na trama felizmente não significa que a parte visual dessa animação sofre de alguma maneira. Como de praxe, o aspecto visual não desaponta e até impressiona se considerar a data de lançamento. Embora não tão bonito quanto “Toy Story 3“, “Up” proporciona visuais espetaculares, coloridos e por vezes assombrosos ao contrastar a maturidade de seus temas com seu espetáculo de cores. Tratando-se de uma animação, tal contraste se mostra muito bem-vindo ao contribuir com a sutileza da aplicação de tais temas mais sérios. A abundante aquarela deixa as coisas mais que bonitas ao lembrar o espectador que, apesar de tudo, o filme ainda se mantém receptivo ao público infantil. O efeito 3D também é muito bem aplicado, ainda mais quando se levar em conta que esta foi a primeira animação da Disney a usar o efeito. O senso de profundidade incrementa muito bem algumas sequências, amplificando a experiência visual significantemente.
Mais que os visuais, o sentimentalismo presente aqui deve muito à trilha sonora estupenda de Michael Giacchino. Criada com objetivo de aumentar o efeito da emoção transmitido, Giacchino criou uma trilha com temas dedicados a personagens específicos, que junto de suas variações são tocados várias vezes no decorrer do longa-metragem. Dificilmente os filmes da Disney possuem uma parte sonora decepcionante, considerando que grande parte deles são um pouco musicais em sua essência. Mas melhor do que entregar um produto que cumpra seu papel, as melodias de Giacchino ressoam além do próprio filme, frequentemente roubando a cena com sua exuberância vencedora do Oscar de Melhor Trilha Sonora Original.
Correspondendo às minhas expectativas, “Up” se posiciona entre as melhores animações dos últimos anos ao trabalhar satisfatoriamente assuntos sérios em uma tonalidade ingênua e receptiva ao público infantil. Um roteiro simples e bem executado acompanhado de visuais estonteantes e uma trilha sonora absurda são apenas descrições simples demais para a experiência singular deste longa-metragem.