Quatro anos depois de dirigir “Inception”, outro filme de ficção científica, Christopher Nolan revisita o gênero a partir de um esboço elaborado por seu irmão, Jonathan Nolan. Assumindo o projeto, o diretor reescreveu o roteiro parcialmente, mantendo elementos que compõe a primeira hora de filme e inserindo outros elementos que, em suas palavras, poderiam ser passados para a audiência sem perdê-la no processo. O resultado é o que conhece-se hoje como “Interstellar”.
Envolvendo viagens no espaço sideral, foguetes e muita teoria da relatividade, o enredo conta a história de uma Terra que passou a mostrar sinais de que estava ficando inabitável. O clima torna-se extremamente inóspito e uma praga mata sistematicamente os alimentos plantados. Pela falta de comida, a humanidade é forçada a dedicar boa parte de sua mão de obra à agricultura. Cooper (Matthew McConaughey), o protagonista, é um fazendeiro que foi engenheiro e piloto de foguetes da NASA no passado. Fortemente ligado às suas experiências antigas, Cooper encontra sua chance de voar de novo e salvar o mundo quando as circunstâncias o levam a uma instalação secreta do que restou da NASA.
Contrapondo vários filmes que usam a temática de apocalipse, “Interstellar” não dedica tanto tempo a explicação do motivo da devastação, focando-se mais na resolução do que na compreensão do problema. O funcionamento da praga e como o clima se tornou catastrófico estão presentes o bastante para não serem ignorados completamente, no mínimo evitando levantar muitas sobrancelhas. A dosagem de conteúdo sobre os acontecimentos anteriores ao enredo acaba sendo ideal para o desenvolvimento da história, sem parecer que foi vomitada na cara do espectador como um estopim forçado.
O desenvolvimento de personagem nem de longe é o enfoque principal da obra, mas pelo menos alguns deles recebem um carinho a mais quando estrelam alguns momentos sensacionais. De um lado temos a Dra. Brand (Anne Hatthaway), um personagem relativamente importante para a trama, com um mínimo e quase nulo desenvolvimento de personalidade; em contrapartida temos o próprio Cooper, que recebe um foco maior e dá diversas oportunidades de atuação para o ator Matthew McConaughey. Felizmente, ele faz destas ocasiões os momentos emocionalmente mais fortes de todo o filme. Claro, nada que distraia do que realmente importa. O conjunto de momentos emocionantes não é nada quintessencial para a progressão da trama, mas é certamente merecedor de um olhar mais atento. De resto, a atuação do elenco cumpre bem seu papel, sem nenhum exemplo que chame a atenção negativamente o bastante para fugir do esperado.
Nesses momentos de sentimentalismo o longa brilha muito forte e mesmo não sendo o enfoque do longa-metragem são muito bem vindos. Já sobre as comentadas viagens espaciais, esta obra aborda o assunto de uma maneira mais científica e realista, ou ao menos tenta parecer bem fidedigna; puxando mais para o lado de um “2001: Uma Odisséia no Espaço” que para a fantasia romantizada de “Star Wars“. A semelhança é tanta que algumas pessoas — incluindo eu — podem querer considerar “Interstellar” um sucessor espiritual da obra de Kubrick. Então chegam as inevitáveis comparações. O longa de 1968 é aclamado tem diversos prós em seu currículo, contudo devo dizer que o longa de Nolan se sai melhor quando se fala nas semelhanças entre filmes. As partes com elementos visuais psicodélicos da viagem especial são bem melhor apresentados aqui. Não só pela tecnologia mais avançada mas também pelo modo como estas sequências são conduzidas. Em termos de duração também nota-se a vantagem, pois a obra de Nolan segue em um ritmo muito mais constante e menos estagnado que o de Kubrick.
Grande parte da agressividade científica dos fatos apresentados no filme veio de um dos produtores executivos: um físico atuante desde os Anos 60 . Por esse motivo, Físicos e Engenheiros podem ter orgasmos mentais múltiplos ao ver fenômenos como wormholes e buracos negros em ação, assim como conceitos da Teoria da Relatividade de Einstein inseridos como elementos-chave da trama. Entretanto, ter elementos científicos apresentados fidedignos e realistas não quer dizer que o longa pareça um documentário do Discovery Channel. Tudo é colocado de maneira que faça sentido e forme um tipo de harmonia com o enredo, sem chegar a ser distorcido por conveniência de trama nem posto completamente alheio à mesma para ostentar inteligência. Para contrastar o forte punho científico, Nolan insere uma certa dualidade entre fé e ciência. É aí que entra a tão falada controvérsia. Tal conceito tinha potencial para ser algo extraordinário e acabou sendo apenas decepcionante. Estragaram essa outrora boa idéia ao associar a parte da fé ao poder do amor quantificado através das dimensões, ou algo como o amor ser como a única constante mesmo que as realidade se alterem. Chegam a dedicar bons dois minutos a um monólogo sobre o assunto, que é ignorado completamente até mesmo pelos personagens do filme. Por sorte, Nolan lambe suas feridas ao não impor ao espectador tal crença, deixando a mesma como escolha de apenas alguns personagens.
Vale muito a pena conferir “Interstellar”, pois raramente conceitos científicos são tão bem aplicados. Há uma experiência muito satisfatória a ser encontrada aqui, independentemente da ciência não ser romatizada. Um ótimo filme de ficção científica e um dos destaques de 2014, certamente se verá mais de “Interstellar” no Oscar 2015.