Após três filmes seguidos do Rei dos Monstros contra seus oponentes tradicionais, a Toho coloca SpaceGodzilla como o vilão da vez na penúltima obra da Era Heisei. Considerado um filme controverso por sua escolha de kaijus, este pode não ser o melhor longa da Série Heisei, mas é certamente o mais comentado. Além do próprio longa-metragem, uma adaptação no formato de mangá foi produzida e lançada pouco antes da estréia nos cinemas.
Nesse ponto da franquia acontece novamente a clássica reciclagem de enredo, tantas vezes presente na Era Shōwa. Assim como em “Godzilla vs. Biollante“, há uma manipulação do DNA de Godzilla e como resultado acontece uma mutação que SpaceGodzilla. Após os eventos de filmes passados, o material genético do Rei dos Monstros acaba indo parar no espaço. Uma série de eventos absurdos seguem — como entrar em um buraco negro e ser iluminado pela supernova de uma estrela — e o DNA se mistura com uma formação cristalina espacial. Assim nasce SpaceGodzilla, que vai parar na Terra e enfrenta eventualmente Godzilla.
Uma loucura dessas indica apenas uma coisa: a complicação extrema de um evento simples. pois o DNA poderia ter simplesmente ido parar no espaço e se fundido com um cristal. Esse processo de complicar o enredo acaba se repetindo outras vezes ao longo da história, talvez numa tentativa de incrementar uma trama direta ao ponto. Arcos secundários são desnecessariamente explicados e fatos pequenos ganham histórias de fundo, mesmo tendo tão pouca importância para a trama. Ninguém realmente liga para as motivações de um personagem que tem 30 segundos de tempo de tela, o que torna a experiência um pouco redundante, fazendo o espectador questionar a existência de tanta enrolação. De resto, além dessas ocasionais nuances a história é relativamente simples e se resume a invasão de SpaceGodzilla no Japão.
Muitos espectadores acabaram criticando “Godzilla vs. SpaceGodzilla” por sua falta de criatividade no escolha de monstros coadjuvantes; e por um lado concordo com as críticas, pois um dos dois kaijus escolhidos não passa do mais ou menos. Esta medíocre criatura é chamada MOGERA, um robô armada até os dentes para enfrentar Godzilla e que não passa de uma versão pobre de Mechagodzilla. Com um design piorado e funções praticamente iguais ao monstro do longa anterior, MOGERA não é só genérico como também acaba fazendo pouco sentido no universo dos filmes. Se Mechagodzilla era para ter sido a arma quintessencial contra Godzilla e falhou, por que diabos o governo gastaria mais um dinheirão construindo um robô ainda pior que ele?
Pelo menos a escolha de colocar SpaceGodzilla como o vilão principal foi bem interessante e, de certa forma, é uma novidade dentre os inúmeros oponentes do Grande G. Acho válida a crítica de que colocar Godzilla vs. Godzilla não é a ideia mais original de todas, mas, por outro lado, achei que poderia resultar num combate interessante. Lá em 1974 colocar Godzilla contra um oponente anatomicamente parecido e com um arsenal de poderes maior foi uma ótima concepção. Ao contrário de Mechagodzilla, que se encaixa nessa descrição, SpaceGodzilla é um inimigo de carne e osso. Dessa forma, tem a vantagem de poder se recuperar de golpes, ao contrário de Mechagodzilla, que com cada golpe sofria danos irreparáveis em sua estrutura. Além disso, o design do antagonista é extremamente bem trabalhado: cristais substituem os espinhos dorsais e duas pedras grandes ocupam os ombros do monstro; escamas azuis e um ventre avermelhado cobrem o corpo levemente deformado, dando um ar amedrontador ao kaiju. Em questões de visual, este é um dos monstros mais bonitos daqueles introduzidos até então.
Entre as inúmeras reclamações, a maior injustiça que eu pude ver foi, de longe, contra a música, composta dessa vez por Takayuki Hattori; sendo a exceção dos últimos três filmes, que tiveram o veterano Akira Ifukube como responsável pela trilha sonora. Com “Godzilla vs. SpaceGodzilla” Hattori estreou sua carreira no Cinema e ela não poderia ter sido melhor, inclusive arrisco dizer que esta foi a melhor trilha sonora de toda a franquia até então. Seguindo os passos de Ifukube, o compositor desenvolveu um trabalho excelente ao melhorar virtualmente todas as sequências em que a trilha estava presente. Para dar uma noção melhor, em uma cena em que a trilha sonora é posta ao mesmo tempo que uma música alta no rádio de um personagem, ela se sobressai com facilidade; mesmo estando em volume mais baixo e tendo um ritmo totalmente diferente. As melodias orquestradas são tão cativantes que digo que foi a coisa que mais gostei no filme inteiro, e isso não é dizer que o resto dele é ruim, pois é evidente que a ação mantém o padrão alto da Era Heisei.
De sua maneira “Godzilla vs. SpaceGodzilla” se mostra como mais um filme bom da Era Heisei, apesar de ser extremamente injustiçado e subestimado. Como dito, não é porque a ideia de colocar um outro tipo de Godzilla como inimigo é pouco original que o filme sofre por isso. Ao menos rendeu vilões melhores e cenas de ação muito superiores aos fracassos que a Toho tentou emplacar no passado, como Megalon, Hedorah e Ebirah.