Esta obra marca o começo da Era Heisei de Godzilla, uma nova série de filmes feita após 9 anos de hiato e que funciona como um reboot para a franquia. A Era Heisei é chamada assim por conta da atual Era em que o Japão se encontra, sucedendo a Era Shōwa. Todos os longas após o “Gojira” de 1954 são ignorados, e “The Return of Godzilla” age como uma continuação direta da obra original. O Godzilla que reaparece aqui é como se fosse uma nova versão daquele de “Godzilla Raids Again“, como se ele reaparecesse 30 anos depois do conflito original.
Ser um reboot significa que todas as 14 continuações do primeiro filme — de “Godzilla Raids Again” a “Terror of Mechagodzilla” — são desconsideradas. No entanto, isso não quer dizer que os monstros criados nesse peíodo são esquecidos. O longa também serve de comemoração dos 30 anos de Godzilla, levando a produção a usar estes mesmos 30 anos na história como o tempo desde o ataque do primeiro monstro e sua consequente derrota pelo Oxygen Destroyer. Sendo assim, o Japão vive três décadas de tranquilidade até que eventos estranhos começam a acontecer depois de uma erupção vulcânica em uma remota ilha. Mais cedo que mais tarde eles se mostram como o resultado das ações de um novo Godzilla.
De todos os filmes lançados até agora, este é de muitas milhas longe o que contém a trama mais consistente. Ela não trata de falar apenas do Rei dos Monstros, mas também de assuntos políticos e diplomáticos da época. Dessa vez tudo é tratado com um certo realism, com uma redução da abordagem fantasiosa. Em vez de um grupo de pessoas coincidentemente ter a solução que vai salvar o mundo, aqui temos uma representação de políticos, ministros e até outras nações se reunindo para discutir a ameaça de Godzilla. Inclusive dão uma boa renovada no assunto das bombas atômicas ao dar um enfoque no assunto aplicado ao contexto da Guerra Fria.
Ao contrário de outros exemplos da franquia, que tentam empurrar de qualquer jeito uma mensagem moral, este filme trata dela de um jeito realista e orgânico, tornando-a um elemento chave na composição da trama. Dilemas como o número de vidas que podem ser perdidas em um ataque de bomba, o volátil controle de tal arma e até mesmo a corrida armamentista entre Oeste e Leste são apresentados e debatidos no decorrer da história; além de reforçados pela ótima interpretação de Keiju Kobayashi como o Primeiro Ministro do Japão. No geral, parece que a franquia recebeu um polimento que, até o momento, nunca tinha sido visto na série. Todos os elementos ganham uma atenção maior e deixam a produção com um ar mais refinado, longe das produções mais amadoras, se posso dizer, dos Anos 60 e 70.
Outros aspectos mais comuns também receberam uma atualização bem-vinda, como os cenários em miniatura. O que antes não era nada mais que um ambiente prestes a ser destruído, agora é algo com vida e atividade, uma cidade de verdade. Fica muito mais plausível acreditar que existiam 11 milhões de pessoas em Tóquio quando Godzilla a ataca, não apenas meia dúzia de desesperados que aparecem por 30 segundos. Isso se exibe através de modelos mais detalhados — como luzes nos diversos prédios da cidade — de miniaturas sofisticadas. Pela primeira vez também o senso da escala de Godzilla é aplicado de maneira inteligente quando aproveitam a perspectiva de janelas de edifícios e do próprio chão. Até mesmo a roupa de Godzilla é renovada até nos mínimos detalhes. Voltam ao princípio de fazer dele uma figura amedrontadora ao invés de humanizada.
Seguindo essa mesma moda de trazer Godzilla às suas raízes anti-heroicas, temos uma estrutura puxando muito para o gênero Terror. A atmosfera é muito similar ao “Gojira” original e “Godzilla vs. Hedorah” no uso de cores e iluminação, tudo parece mais sério e as cenas em sua maioria se passam no período da noite para seguir nessa linha obscura. Além disso, o fato do próprio Godzilla ser tratado como a ameaça do filme, em vez de um herói defensor da Terra, já cria um clima menos otimista no geral. As pessoas temem o monstro e, além dos espectadores, ninguém está muito feliz com seu retorno. Alguns personagens inclusive têm certo ódio do monstro pelo ataque no passado. Em quase todos os casos que personagens populares voltam às origens, a mudança é positiva e aqui não é diferente. Após o kaiju ter sido prostituído pelas mudanças de natureza na Era Shōwa, foi decidido que Godzilla voltaria a ser uma força destrutiva da natureza em vez de um super-herói. Devo dizer que foi em bom tempo essa mudança ocorreu, pois depois do monstro apertar mãos com um robô gigante as coisas ficaram bem complicadas.
Como dito em outra análise, “Terror of Mechagodzilla” não foi feito para ser o último filme da franquia ou da própria Era Shōwa, mas seu relativo fracasso de bilheteria levou a Toho a colocar o personagem de lado por um tempo. Nesse tempo de 9 anos, diversas tentativas de reviver o personagem foram feitas, mas a Toho acabou recusando todas por conta de problemas financeiros ou simples recusa das propostas. Se no longa de 1975 notou-se a volta da estruturação e polimento característicos de Ishirô Honda, aqui houve um avanço ainda maior nestes mesmos aspectos. O próprio Honda recusou dirigir esta obra por conta do que fizeram com o personagem nos anos 70, além da crença que a série devia ter sido aposentado após a morte de Eiji Tsuburaya em 1970. Isto simplesmente não faz sentido. O filme mais destoante do original foi dirigido por ele, sem contar que Honda dirigiu “Terror of Mechagodzilla” cinco anos após a morte de Tsuburaya. De qualquer modo, a direção de Koji Hashimoto faz um ótimo trabalho e consegue aproveitar muito bem nessa obra as melhorias que Ishirô Honda trouxe antes.
Mesmo sendo um tipo de estréia de uma nova série de filmes, “The Return of Godzilla” é uma ótima adição para a franquia e um dos melhores filmes da série lançados até agora. O melhor de tudo é que a obra resiste muito bem ao teste do tempo por seu capricho geral, tornando a experiência mais amigável para as audiências mais novas.