Uma das animações japonesas pioneiras, “Akira” foi concebido originalmente como um mangá de 2182 páginas por Katsuhiro Otomo. A princípio, ele não tinha a intenção de exportar sua obra para outro tipo de mídia, mas ficou intrigado quando foi proposto a ele adaptar sua obra para as telonas. Considerando que o longa foi lançado antes do mangá terminar e deste último ser extraordinariamente mais longo que a duração pretendida do filme, a escrita de um final adaptado se fez necessária para retroativamente inserir os planos do autor no filme de 124 minutos.
A história começa um pouco confusa, mas logo torna tudo claro. Ela acompanha as aventuras de uma gangue de motoqueiros liderada por Shotaro Kaneda. Aparentemente um filme sobre motocicletas — e frequentemente divulgado como tal — a trama logo muda seu foco para uma história que lida muito mais com o sobrenatural do que com motos em geral. Após poucos momentos, um dos membros da gangue é abduzido e acaba envolvido em um projeto secreto encabeçado pelo exército de Neo-Tóquio, a versão cyberpunk de uma Tóquio pós-Terceira Guerra Mundial.
Dentre o grande número de elementos que me surpreenderam no filme, a qualidade das animações foi um dos mais cativantes. Quando finalmente fui assistir, depois de um pouco de receio, já pensei em não levar muito em conta a qualidade supostamente ultrapassada dos desenhos, ainda mais quando considerei que o longa era de 1988. Felizmente, minha expectativa negativa se provou errada e muito. As animações são muito competentes, detalhadas e cheias de efeitos que criam um espetáculo visual, com diversas técnicas inovadoras implementadas e que chegam a superar diversas animações atuais, lançadas quase 30 anos depois de “Akira”. Técnicas como gravar os diálogos antes de animar o filme para poder sincronizar os movimentos labiais com a fala e o uso cerca 160.000 celuloides estão incluídas na criação das fluidas e complexas animações, além do uso de CGI para detalhar ainda mais algumas cenas e entregar uma das experiências visuais mais satisfatórias do gênero.
Mesmo confusa e levemente louca de começo, a trama logo engata em uma sequência espetacular de eventos enriquecidos pela falta de limitação na apresentação dos eventos, me surpreendendo que o filme tenha uma classificação indicativa de apenas 14 anos. Cenas com nudez e violência não são nem um pouco cortadas ou reprimidas e do modo como são colocadas acabam amplificando consideravelmente o impacto pretendido da obra. Algumas sequências em especial são tão violentas que eu fiquei surpreendido com o que acabou de ser mostrada. Cenas nesse estilo são no mínimo chocantes, e mais do que serem apenas isso também traduzem bem o que o diretor quis passar com cada evento. No caso, elas serem tão explícitas e direto ao ponto evita que muita coisa tenha de ser explicada nas entrelinhas ou, no pior das hipóteses, cortada e depois explicada através de artifícios expositivos.
Outro ponto extremamente positivo é a falta de japoronguices no filme, ou seja, momentos de humor pastelão muito comuns em obras japonesas. Exemplos disso são Godzilla fazendo uma dancinha de vitória depois de uma luta ou aqueles momentos quando a feição do personagem fica brava e ele dá um soco extraordinário em outra pessoa, fazendo ela voar e formar uma estrelinha no céu com um “plin” sonoro. Quando digo isso posso garantir que não há nenhum momento com japoronguice explícita, a maioria esmagadora das partes com humor é bem aplicada e não fica anti-climática em relação ao resto da obra. Tirando um momento ou outro em que o protagonista é um pouco palhaço demais, todo o restante do é bem sério e maduro.
Posso estar errado, mas quase instantaneamente associei a entonação geral do enredo e até de elementos específicos dele a uma mensagem anti-nuclear, assim como o “Godzilla” original de 1954. Apesar de compartilhar essa característica, a maneira como colocam essa mensagem é um tanto mais sutil e melhor adaptada na história; sendo encaixada perfeitamente e criando uma riqueza peculiar quando comparada a qualidade altíssima da trama. Todo o conceito de poder da bomba nas mãos dos homens, a capacidade destrutiva da bomba e os danos irreparáveis é implantado impecavelmente, sem esfregar na cara do espectador nem deixar tão sutil que beire a imperceptibilidade. Para atingir usam um mecanismo, se posso dizer, já mencionado antes: nunca falam em bomba ou poder, usam representações claramente fantasiosas, fictícias e criativas para ilustrar isso.
Em geral, “Akira” quebra muitas barreiras do gênero Animação e faz quase tudo que pretende com maestria. Dos aspectos menos atraentes, apenas o desenvolvimento do protagonista com outra personagem acabou parecendo um pouco acelerado e simples demais, considerando a importância dos dois na trama. Isso poderia ter sido melhor trabalhado com alguns momentos a mais entre os dois, pois quando o final chega tudo parece ter sido muito rápido. Certamente é um anime livre de estereótipos japorongas, então qualquer tipo de público que assistir ao filme vai aproveitar muito bem a experiência.
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Muito bom o texto, representou o que penso dessa animação.
A relação do Kaneda com o Tetsuo apesar de não mostrar muito, dá pra entender bem.
O Kaneda era o líder da gangue, e o Tetsuo apesar de também parecer ter uma posição de destaque é mais instável e as vezes parece só um adolescente mimado e com isso o Kaneda fica mais em uma posição de protetor do Tetsuo e isso acaba culminando no que é visto do meio pro fim do filme.
Meu problema foi mais entre o Kaneda e a Kei, achei que se conheceram do nada, aí eles já eram super amigos e no fim quase almas gêmeas. A relação dele com o Tetsuo ficou bem representada, sem problemas nessa parte.