Em um mundo cheio de adaptações da famosa obra de Bram Stoker, aquela sobre o vampiro mais conhecido da história, está a abordagem de Francis Ford Coppola: definitivamente uma surpresa para quem achou que o cineasta viveu apenas de “The Godfather“. A obra de Coppola está entre as mais conhecidas e bem conceituadas versões dessa história, junto da versão de 1922 e da versão de 1931 — de F.W. Murnau e Tod Browning, respectivamente. Vencedor de 3 Oscars, “Bram Stoker’s Dracula” é uma viagem à terras já conhecidas, estilosa, bem interpretada e sempre nos tons certos.
O enredo conta a história do Conde Drácula (Gary Oldman) e sua relação com diversos personagens que cruzam seu caminho. Entre eles Johnatan Harker (Keanu Reeves), sua esposa e até o famoso caçador de vampiros Abraham Van Helsing (Anthony Hopkins). Antes de Drácula veio Vlad Tepes, um homem que perdeu sua amada por uma ironia do destino, séculos antes, para ser exato. Depois de abraçar uma prática que o daria vida eterna, Vlad aguarda pacientemente a reencarnação de sua amada. Curiosamente, é com a visita de um jovem advogado que a espera de anos e anos mostra que será recompensada finalmente.
Se a obra-prima sobre a máfia italiana tem algo em comum com “Bram Stoker’s Dracula”, é a narrativa de altíssima qualidade exposta aqui — fazendo jus ao material de origem. Em especial, os detalhes incluídos pelo diretor, ausentes na obra original, enriquecem muito a qualidade geral da história — como a origem do vampiro e o arco envolvendo a esposa do advogado. Para efeito comparativo, lembro de ter gostado da versão de 1922, mas se posta frente a esta versão ela parece até um rascunho diante da riqueza de detalhes aqui. Claro que a comparação é um tanto injusta, pelos 70 anos entre as duas produções e toda a evolução do cinema neste tempo. A divergência é clara e, embora ambos sejam experiências agradáveis, cada um de sua maneira, é difícil colocar qualquer outra adaptação no mesmo patamar desta. Coppola entrega uma obra com o perfeccionismo e a elegância visual apropriadíssimos a uma história sobre uma criatura que usa a sedução e o glamour a seu favor.
Comparações a parte, a maior conquista de “Bram Stoker’s Dracula” é sem dúvida a atmosfera da obra. Muitos aspectos técnicos — e tão frequentemente ignorados no Oscar, por exemplo — são partes elementares na criação de um clima que mistura todo o terror sexual envolvido no modus operandi de Drácula. Seu figurino vai da moda vitoriana aos trajes medievais, sempre em sintonia com o estado do personagem enquanto design de produção e fotografia se encarregam de fornecer um plano de fundo adequado. A escolha do diretor de negar-se a usar computação gráfica para criar os visuais é outro fator importante. É comum que quando os efeitos especiais são mais práticos que visuais, sua resistência ao teste do tempo costuma ser bem superior. Logo, o filme não só continua esteticamente agradável hoje em dia, como também mantém uma harmonia entre os elementos numa mesma cena; a atmosfera é tão poderosa em 1992 quanto em décadas depois. Dessa forma, uma grave falha de filmes que usam a CGI é evitada: quando a imagem computadorizada envelhece e o resto do cenário não, criando aquele contraste terrível.
A composição graciosa das cenas é exposta de maneira que a atenção especial aos detalhes não passe despercebida. Tudo é meticulosamente montado para amplificar o impacto pretendido de cada sequência. Cenas com um tom mais sobrenatural, por exemplo, possuem elegantes misturas de elementos cinematográficos; cortes de cena adjuntos de uma mistura de sons e ângulos incomuns de câmera. Neste caso, o resultado atingido é criar um ponto de vista entorpecido, distorcendo um pouco a percepção da cena e deixando claro que seu caráter é bizarro. O notável cuidado com ambientes dá um caráter genuíno à atmosfera, reforça o clima do filme além de criar uma experiência visual soberba. Desde castelos imensos até mansões sofisticadas, os lugares nunca desapontam. A escolha deles, em conjunto com design de produção e fotografia soberbos, melhora conforme o nível de detalhe e a caracterização dos mesmos impressiona cena após cena.
Outro aspecto muito bem capturado foi a sensação passada por cada cena. Com a ajuda da mencionada fluência de cenário, figurino filmagem, cada cena tem um caráter bem único e nem sempre relacionado a apenas uma das várias direções do resto do filme. Ou seja, “Bram Stoker’s Dracula” nunca se torna uma experiência previsível, em termos de entonação. É impressionante como a história muda de repente de uma caça ao monstro a um romance. De seu modo, há uma mistura de temáticas e orientações de gênero cinematográfico. Conforme as sequências fluem, de um patamar mais afrodisíaco para outro que envolve mais terror e suspense, o diretor conduz cada um delas de maneira natural e fluída, criando uma atmosfera única e excepcional.
Mas como nas palavras do próprio Coppola, as jóias do longa-metragem são os atores, as peças essenciais nesse jogo de criar e manter climas diferentes. Gary Oldman, em especial, tem um grande papel neste esquema, visto que ele interpreta o próprio Drácula. Assim como o personagem assume formas físicas diferentes, o próprio Oldman muda a entonação de sua atuação, apresentando uma versatilidade incrível ao interpretar um personagem, mas vários papéis. Um nível excelente é atingido especialmente nas sequências onde há um tom de sensualidade, nas quais uma postura que transmita esse sentimento adequadamente é exigida. Uma vez que esse tom traça uma linha tênue entre a pornografia explícita, o brega e o sentimento autêntico, uma certa perícia se mostra necessária para não cair do lado errado da cerca. Mais do que capaz, o ator entrega uma atuação bela e suave, atendendo graciosamente aos requisitos de seu papel. Quanto a Keanu Reeves, não achei ele tão exorbitantemente ruim como muitos. Ele realmente é o ponto fora da curva por não estar no mesmo nível que seus colegas, mas não acho que ele estrague os sucessos de “Bram Stoker’s Dracula”.
Mais um ótimo filme de um ótimo diretor, “Bram Stoker’s Dracula” adapta de um dos livros mais famosos da história e não desaponta em entregar uma visão fiel e moderna do clássico. Fãs de vampiros certamente gostarão dessa sensacional adaptação, enquanto fãs das criaturas brilhantes talvez aprendam uma coisa ou outra no que se refere a gostar de vampiros de verdade.