Considerado por muitos como um remake de “Goodfellas“, “Casino” é muito mais do que isso. Ele vai além de ser simplesmente outra parceria de Robert De Niro e Martin Scorsese, é também o último dos oito filmes da dupla, que conclui a parceria por ser superior em virtualmente tudo que seu predecessor faz. O longa conta também com a presença de Joe Pesci — outro ator que fez vários trabalhos com o diretor — e Sharon Stone em uma das atuações mais marcantes de sua carreira, que rendeu um Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz.
De cara pode-se dizer que este é um filme de Martin Scorsese: baseado em fatos e figuras reais; conta a história de alguém que sobe muito alto na vida e eventualmente vê seu império cair aos poucos; tem um personagem pavio curto interpretado por Joe Pesci; e exalta o estilo de vida que muitos espectadores gostariam de ter. Felizmente, Scorsese consegue integrar todas essas características sem ficar repetitiva, incluindo algumas surpresas para espertinhos que tentam adivinhar o final da história. Parece muito familiar, mas ainda consegue ser singular perante as outras obras do cineasta por sua execução sólida.
Robert De Niro é Ace Rothstein, um judeu ligado a máfia que inigualável quando o assunto é apostas e jogos de azar. Felizmente para ele e para seus chefes, isso é decisivo para que ele faça bem seu trabalho na gerência do Tangiers, um grande cassino. Com o sucesso vem o medo de perder o controle, o que acaba levando Nicky Santoro (Joe Pesci), um caporegime, para acompanhar e proteger os negócios de Ace. Explorando a vida glamourosa de Las Vegas, “Casino” não esquece de nada quando se fala na cidade: mulheres, drogas, dinheiro, poder e tudo mais que se possa imaginar. Realmente não é uma simples reimaginação de outra obra num ambiente novo, é algo muito maior.
Neste ponto dos Anos 90, a carreira de De Niro já estava bem estabelecida, então não se espera nada menos que uma atuação extraordinária. Neste filme não é diferente e o resultado é uma interpretação excelente da parte do ator, que coloca Ace Rothstein a par de outras grandes atuações suas. Milhas longe de seu personagem explosivo, impulsivo e autodestrutivo em “Raging Bull“, De Niro se transforma novamente e coloca-se igualmente longe de Ray Liotta em “Goodfellas” pelo simples fato de ser um protagonista mais interessante e muito melhor interpretado. Por outro lado, Joe Pesci abraça seu já conhecido estereótipo: o mafioso de temperamento curto e comportamento destrutivo — seu eterno calcanhar de Aquiles.
Outra das surpresas em termos de atuação é Sharon Stone num dos papéis mais importantes de sua carreira, se não o melhor deles. Stone está na pele de Ginger McKenna, uma mulher que todo homem sonharia em ter — ou não. Detentora de um passado deturpado e cheio de traumas, a personagem segue uma lógica curiosamente diferente do que costuma acontecer. Em vez de começar como um estereótipo que se desenvolve com o tempo, ela é uma figura aparentemente complexa que se simplifica conforme se revela mais. No início há a beleza estonteante de uma mulher misteriosa, que sugere ter uma vida toda por trás de roupas caras e jóias, mas conforme revela suas verdadeiras cores um ser detestável, previsível e digno de pena dá as caras. A atuação de Stone é realmente muito boa, embora deva muito ao excelente roteiro de Nicholas Pileggi. As potentes demonstrações de caráter da personagem não estão ali por acaso. Estas mostram-se bem encaixadas e essenciais para a progressão da trama, além de darem o espaço que Stone precisava para brilhar.
Mais um da série Longo Longa Metragem, “Casino” tem 178 minutos de duração e é o segundo filme mais longo de Scorsese, perdendo para “O Lobo de Wall Street” por meros 2 minutos. Apesar da longa duração, em nenhum momento houve tédio ou cansaço. A estrutura do roteiro é bem planejada e administra bem o material que tem em mãos, distribuindo adequadamente cenas mais movimentadas entre as mais calmas — nas quais o drama toma conta. Seja qual for a natureza da cena, a clássica narração Scorsese está presente de novo. Funcionando como nunca — e novamente superando seu predecessor — a narração agora alterna entre personagens e oferece mais pontos de vista do que antes, sendo mais do que um reforço desnecessário do que já está sendo apresentado.
Embora cheio de detalhes grandes — como o desenvolvimento dos personagens — outros elementos menores fazem de “Casino” uma experiência mais completa em geral. Entre estes está o uso mais eficiente de músicas populares na trilha sonora, uma qualidade conhecida de antes. Para isso, a escolha de artistas não poderia ser menos que espetacular. O diferencial é que na história as canções pareceram cair melhor com o clima que estabelecido. O lugar é Las Vegas, a atmosfera é de charme e glamour. Felizmente, há um alto nível de produção para exaltar os luxos da vida dos personagens. As cenas no cassino são especialmente marcantes, mostrando sempre a grandiosidade das enormes construções cheias de vida, pessoas e muito dinheiro. Ouvir Dean Martin e Rolling Stones enquanto tais imagens rodam incrementam a experiência de forma que o instrumental de “Layla” dificilmente faria tão bem.
“Casino” é considerado por muitos um bom filme, mas ainda é frequente achar quem prefere “Goodfellas” a ele. Tenho de discordar dessa corrente ao dizer que não há quase nada no decepcionante predecessor de 1990 que supere o que é visto aqui. De longe um melhor e muito mais completo trabalho, a experiência proporcionada facilmente se destaca na carreira de Scorsese e até entre outras obras envolvendo gangsteres.