Essa não é mais uma crítica de cinema com trocadilhos envolvendo doces para representar uma opinião positiva ou negativa. “Por mais que esse seja um filme que busque evocar o sentimento indescritível de um novo e incrível doce tomando conta de suas papilas gustativas, o gosto que ‘Wonka’ deixa é o amargo de esperar a magia recriada nas obras mais antigas”; ou talvez “Para uma obra que mexe tanto com o sentimento básico e quase primal de apreciar um gosto doce, o sucesso aqui consegue atingir um patamar de entretenimento sensorial que torna este um trabalho doce, mais do que mero entretenimento cinematográfico”. “Wonka” é um bom filme, mas não um livre de defeitos.
Willy Wonka (Timothée Chalamet) é um jovem rapaz com um grande sonho: criar sua própria marca de chocolates. Desde pequeno, quando só tinha sua mãe em seu mundo, o rapaz tinha um sonho de levar alegria para outras pessoas na forma simples do chocolate. Seu plano é ir para a cidade grande e finalmente apresentar para o mundo aquilo que passou tanto tempo aperfeiçoando, porém as coisas não são tão simples assim. Quando ele chega na cidade, sua recepção é menos hospitaleira do que ele esperava. Para piorar, a concorrência é dominada por um cartel de chocolateiros sem intenção alguma de dividir espaço com um jovem cheio de idéias.
Seria essa mais uma história de origem depois que esse tipo de história saiu de moda há quase 20 anos? “Wonka” aposta num formato decadente sem apelar da mesma forma que outros filmes tentaram com sucesso menor. Não seguindo tendência alguma, o filme busca criar algo novo em cima de um nome já bem estabelecido. Por mais que toda a história da fábrica de chocolate já esteja bem plantada na mente do público, ainda havia um espaço para mostrar a realidade cruel em que Willy Wonka teve de se criar para se tornar o grande nome no mercado. E se há alguma coisa que é bem feita aqui, é a ambientação urbana inclinada para o Século 19 em que a pobreza e a esperteza desonesta reinam livres. Há pouca elegância, muita sujeira e corrupção dominando um cenário que concentra poucos pontos de elegância e sofisticação cosmopolita. No meio disso, uma figura vira-lata carismática emerge como um ponto de redenção. Quem mais seria que não o próprio Willy Wonka antes da fama?
Lembro das primeiras imagens divulgadas de Timothée Chalamet como Willy Wonka e a reação positiva do público. Muitos comentaram sobre como ele encaixava no papel sem claramente querer imitar a versão de Johnny Depp de 2005 ou a de Gene Wilder de 1971, ele simplesmente tinha uma cara de Willy Wonka. E muitas vezes um bom casting se resume a isso: escolher um ator que não faça ninguém pensar duas vezes, bastando uma olhada para saber quem ele é. Claro, isso e saber atuar também. Chalamet se dá bem porque ele preenche as duas caixinhas e apresenta um personagem que não só tem a aparência mas também demonstra uma versão nova com o ingrediente principal para um filme como esse: carisma. Ao contrário do sarcasmo cansado de Wilder ou do cinismo esnobe de Depp, há uma jovialidade quase inocente no personagem aqui. Algo ainda não se corrompeu, ainda há sonhos a serem realizados e coisas a serem feitas e corações a serem conquistados.
Ele vai muito bem em sair de sua persona mais popular de rapaz magrelo com mistério nos olhos ou o adolescente bonito com problemas em casa que acaba namorando a protagonista e sendo um tipo de cafajeste em algum momento. Aqui Chalamet entrega o que eu imaginaria que seria necessário para criar uma empresa feliz como a Wonka, com tudo muito colorido e vivo, com cores saturadas e doces dos mais variados formatos, coisas que te fazem voar ou ficar com a pele azul. Nenhuma das versões anteriores poderiam ter erguido a marca do zero sendo do jeito como são.
No entanto, se Timothée Chalamet sabe atuar, ele definitivamente não sabe cantar. Não que ele seja horrível ou algo assim, há pelo menos sensatez o suficiente para não forçá-lo a atingir notas que seriam impossíveis para seu alcance vocal. Ao mesmo tempo, não é algo para se elogiar. Com alguns números musicais soltos ao longo da história, assim como nos anteriores, “Wonka” sofre um pouco quando seu protagonista solta a voz e entrega resultados medianos. Falta presença ou talvez falte algum tipo de saída criativa como “Grease” encontra ao usar a mesma falta de habilidade de John Travolta como parte da composição ou para efeito cômico.
Mas isso nem de longe incomoda tanto quanto as ocasiões em que o roteiro perde a mão no sentimentalismo e traz à mesa cenas vergonhosamente piegas, do tipo de melodrama que se encontraria em filmes infantis de baixo orçamento. E até faz sentido, “Wonka” é um filme direcionado também para essa demografia, talvez mais para ela do que para adultos que tiveram idade para ver o primeiro e o segundo no cinema. No entanto, isso dificilmente justifica diálogos que estão bem longe de quão boas outras cenas são. O que se acerta na comédia e no clima generalizado de bom humor se perde completamente em algumas ocasiões em que se tenta dar um toque mais dramático.
Nunca imaginei “Wonka” sendo um grande filme, embora sempre esteja aberto a me surpreender, mas também acho que poderia ter sido um pouco melhor com apenas pequenos ajustes. No fim, os acertos anteriores se repetiram aqui e os visuais se destacam como um dos pontos mais altos da obra, mesmo que ela seja ambientada numa época em que ainda não existia a fantástica fábrica de chocolate. Chalamet, por sua vez, se sai bem o suficiente e não permite que sua falta de talento como cantor tome a frente de sua performance, que se destaca principalmente pelo carisma diferenciado que ele traz à figura de Willy Wonka como alguém mais jovial e bobo. Não é algo que eu consideraria uma grande adição ao universo de Roald Dahl nem algo que faz feio. Entretenimento justo que não chega a dar a impressão de perda de tempo.