Pois é, chegamos à semana do Barbieheimer, Barbenheimer ou Oppenharbie. E essa histeria toda começou não exatamente por “Oppenheimer”, que imagino que teria passado pelo período de publicidade sem tanto alarde caso estivesse sozinho na semana de lançamento, seria mais um filme do Nolan saindo e não um particularmente chamativo. Mas aconteceu que “Barbie” foi anunciado no mesmo dia e o mundo entrou em surto: a força-tarefa dos memes estava em frenesi, piadas eram comuns e a internet basicamente fez todo o trabalho do departamento de marketing por conta própria. O primeiro a sair nas cabines de imprensa foi o lado mais sério dessa moeda. Três horas de uma cinebiografia sem muito apelo e que entrega muito mais do que parecia.
J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy) é um teórico físico americano que não se dá muito bem nos círculos de intelectuais. Seu estilo, suas idéias e sua postura não costuma encaixar com as linhas de pensamento dominantes. Apesar de tudo, ele segue seu caminho para onde o conhecimento estava até ele chegar a algum lugar. E ele de fato chega quando vem a se tornar o pai da maior arma de destruição da raça humana. No entanto, o maior feito de sua vida passa longe de resumir a figura complexa que ele mostra ser em sua vida pessoal e política.
“Oppenheimer” é um filme de Oscar em essência. Sim, é o que parece a princípio e o que a obra em muitos pontos indica ser. É a biografia de uma figura histórica famosa, o roteiro trata de um momento crucial na história desse indivíduo, dos Estados Unidos e do mundo, e além disso tal pessoa inventou algo que impactou a humanidade de alguma forma. Parece a receita de bolo de sempre, a isca de Oscar que tem marcado presença na premiação — e vencido — faz alguns bons anos. O diferencial é o nível de profundidade que Christopher Nolan consegue trazer à sua biografia para fugir dos moldes de sempre: mostrar um pouco do começo da vida da figura e como o interesse por tal assunto surgiu ou como sua personalidade fazia todo o sentido com as coisas que ele viria a fazer, depois o começo do projeto ou da idéia extraordinária, a execução e algum tipo de epílogo em texto contando o fim da vida da pessoa. De certa forma, é isso. Só que muito melhor e mais desenvolvido.
E não é à toa: “Oppenheimer” tem três horas cravadas. Eu não sabia e fui pego de surpresa quando o filme acabou e eu estava 20 minutos atrasado para entrar no trabalho, sendo que não tinha almoçado ainda nem saído do shopping. Eu esperava algo em torno de 2 horas e, curiosamente, passou bem mais que isso e mal senti o tempo pesar. Para algo tão longo, não foi nem um pouco cansativo. Pelo contrário, foi uma história envolvente que ultrapassa a parte previsível que alguns já conheçam sobre como o protagonista participou do Projeto Manhattan e também a estrutura narrativa padrão das biografias históricas.
J. Robert Oppenheimer é uma figura fascinante, a seu modo. Ele não é o maior gênio da física, o mais inovador, o mais bonito ou o de personalidade mais interessante. Apesar de haver alguma fama de mulherengo, ele não era nenhum James Bond. Então o que há de interessante para além de seus feitos? Sempre há alguma coisa. É dessas pequenas coisas que Nolan se alimenta para dar maior substância ao roteiro, os detalhes que fazem parte da vida de todo mundo e que diferenciam um personagem raso de um tridimensional. E se há alguma coisa que se alcança aqui é um retrato desse segundo tipo.
Talvez a parte mais interessante de “Oppenheimer” seja a diversidade de pessoas que cruzaram seu caminho. Por consequência, novos personagens dividem o holofote e trazem contribuições ricas na forma de personalidades coloridas e diversas que enriquecem onde talvez o próprio protagonista poderia vir a faltar. Como dito, por mais que o roteiro extraia muito dele, é a vida ao seu redor que traz muitas das cores que fazem do filme tão rico. E assim há uma chance para outros atores brilharem em papéis menores: Emily Blunt como a esposa geniosa do fisico, Jason Clarke como um detestável advogado de acusação em uma das subtramas, Robert Downey Jr. como um associado próximo, Matt Damon no papel de um militar chefe do programa nuclear, entre outros pontuais e impactantes personagens. E ninguém menos que Albert Einstein está presente, e não de graça.
O único ponto passível de crítica são alguns trechos cafonas que poderiam ter sido evitadas. Quase toda obra desse gênero tenta de alguma forma retratar a genialidade do indivíduo de alguma forma. Mas isso é uma coisa que simplesmente acontece e nem todo dito gênio é necessariamente um cientista maluco ou uma personalidade atípica. Como a história tem muito a ver com átomos e objetos invisíveis, às vezes a solução encontrada é representar emoções, sentimentos ou simplesmente um estado de espírito com essas imagens subatômicas e quase abstratas. É como se Oppenheimer desde o começo pensasse átomos e por isso ele é como ele é. Mas isso é um detalhe pequeno, uma idéia brega que incomoda só nas poucas vezes em que aparece.
Talvez o grande segredo do sucesso aqui seja como o próprio Alfred Hitchcock disse uma vez sobre dirigir cenas de romance como cenas de suspense e vice-versa. O tratamento de uma Biografia não é o de uma Biografia padrão, e sim como uma narrativa de várias essências: por vezes uma crítica à cultura de Viva os Estados Unidos, um suspense pessoal de alguém que tem tudo a perder num projeto de vida, uma intriga política de golpes e apunhaladas ou apenas dramas amorosos do cotidiano. E, é claro, a magia que a narrativa faz ao pular entre todos estas esferas a fim de nunca ficar desinteressante. É o tratamento que faz “Oppenheimer” ser o que é, não a escolha de assunto, de protagonista ou o formato.