Em certo momento, acharam boa idéia trazer a série de volta 11 anos depois da última continuação, “Scream 4”, que também havia sido lançada 11 anos após o último filme. Quando “Scream (2022)” foi um sucesso de bilheteria, não demorou para que a galinha de ouro desse frutos novamente. Mal demorou um ano, na verdade. “Scream VI”, finalmente com um número no título como seu pretensioso predecessor deveria ter tido, retoma a história do grupo de novos personagens introduzidos para uma nova requentada no conceito de que algum maluco — ou dois, normalmente — vai achar boa idéia se vestir de Ghostface e aterrorizar especificamente o mesmo grupo de vítimas. O resto do mundo nunca é interessante, pelo jeito.
Após um tempo dos mais recentes ataques em Woodsboro, as irmãs Carpenter, Sam (Melissa Barrera) e Tara (Jenna Ortega), se mudam para Nova York para se distanciar de tudo: dos lugares, das pessoas, das memórias e dos traumas. Em uma nova cidade, elas tentam a vida da forma como podem. Tara está na faculdade tentando construir algum tipo de vida enquanto Sam tenta juntar os cacos e se manter por perto para proteger a irmã e ter certeza de que ela está conseguindo se cuidar depois de tudo que aconteceu. A tranquilidade dura pouco quando novos assassinatos acontecem com o modus operandi de Ghostface e uma máscara deixada em cada cena do crime.
Confesso que não entendi qual foi o motivo para tanto alvoroço quando “Scream” saiu ano passado. Aliás, me surpreende que tenha sido do ano passado e não de 2021, pois só mostra como não se perdeu tempo em colocar outro filme em produção para aproveitar enquanto ainda havia calor do momento para satisfazer as audiências. Independentemente disso, ainda me surpreende como uma continuação morna como o quinto filme conseguiu tantos elogios e bilheteria para justificar uma continuação; uma continuação de legado — ou legacy sequel no inglês — que traz alguns personagens das primeiras obras e continua a história décadas depois ainda se passando na mesma linha do tempo, sem ser um remake e de alguma forma reiniciando o enredo com elenco novo. Basta pensar nos novos “Star Wars” da Disney. Ao menos esses, com todos os seus defeitos, ainda apresentaram algo levemente mais interessante que o quinto “Pânico”. E então veio “Scream VI”, pelo qual eu não tinha muita expectativa, e surpreendeu.
Além do gosto ruim do predecessor, havia uma outra coisa me deixando um pouco incomodado: Neve Campbell não voltaria para seu papel de Sidney Prescott pela primeira vez na série. Digo só um pouco incomodado porque, francamente, sua participação no anterior havia sido tão mediana que ser rebaixada a um tipo de coadjuvante que aparece quase por obrigação não foi algo que eu esperava ver de novo. Ironicamente, “Scream VI” consegue funcionar melhor sem ela e até mostrar que a presença insistente de Gale Weathers (Courteney Cox) é também desnecessária. Das coisas que eu critico no quinto filme, o elenco não é uma delas e aqui eles se mostram mais confortáveis em seus papéis e talvez mais relacionáveis para a audiência também por já não ser a primeira vez que são vistos. Claro que algumas coisas ruins se conservam, mesmo que com peso menor de quando são introduzidas. Ainda se explora a bobagem de Sam ser a filha bastarda de Billy Loomis através do artifício pobre de alucinações muitíssimo vívidas, mas para consertar isso seria apenas possível nas mãos de um diretor tão disposto quanto J.J. Abrams a anular os fatos de outro roteiro.
Até mesmo a direção parece mais confortável e segura dessa vez. “Scream VI” não aposta tanto em mortes excepcionalmente criativas nem em violência mais explícita do que de costume. As sequências de morte ou possível assassinato — para não dizer de ação — são quase todas tão bem planejadas quanto executadas, introduzidas num momento oportuno no roteiro em que faz sentido, tonalmente falando, algo do gênero ao mesmo tempo que tira proveito de boas ideias para criar uma boa base. Nunca imaginei que uma mercearia tosca nova iorquina seria tão bem utilizada como é aqui para criar uma cena envolvendo um assassino em série mascarado, muito menos um que é conhecido por usar uma faca estar aqui usando uma escopeta. E sim, é um senhor tapa na cara de “Friday the 13th Part VIII: Jason Takes Manhattan“, que tenta fazer o mesmo e falha feio. É claro que “Scream VI” não perderia oportunidade de mostrá-lo passando numa televisão.
Meu problema principal com “Scream VI” é uma das coisas mais idiotas e simples de resolver que vem de seu predecessor: o poder do roteiro na hora de decidir quem vive ou morre. Sinceramente, quantos pontos de vida os personagens têm? E aí é claro que alguém pode citar 200 outros filmes em que o personagem sobrevive e continua em ação com ferimentos que derrubariam até mesmo o mais viril dos caras que malham na sua Smart Fit mais próxima. Nesse caso é pior porque não faz sentido nenhum. Parece que há um certo prazer em mostrar um personagem tomando uma facada com vontade na barriga, com efeito sonoro e todo o resto, e continuar seguindo como se não fosse nada. Pular de uma altura e não romper um ligamento ou trincar um metatarso é uma coisa; receber uma facada nas costas, outra no meio da barriga e continuar vivo é outra. Pior ainda é justificar o poder da amizade típico de um JRPG como o ingrediente que salva vidas. Não é sobre isso.
“Scream VI”, embora seja um slasher mais independente que seu predecessor, não tenta esconder que se apoia e muito em tudo que foi construído antes. O que não é, por si, uma crítica, já que todas as continuações, desde “Scream 2”, usam o material prévio para construir todo seu novo roteiro. A diferença é que aqui isso se faz mais como nos quatro primeiros em vez de como no quinto. Existe ainda a glorificação do folclore da série como base concreta da narrativa, mas aqui é menos oportunismo barato e mais um aproveitamento orgânico, mesmo que escrachado em sua apresentação. Ah, e o melhor “Sexta-Feira 13” é a “Parte VI“.