O trajeto dos filmes do Thor foram um tanto acidentados. O primeiro teve boas idéias e parecia ter alguns elementos alinhados perfeitamente para a história que queria contar: um diretor com histórico de teatro clássico e adaptações shakesperianas abordando uma história quase mítica sobre deuses, traição e soberba. O segundo, “Thor: The Dark World”, é até hoje a pior produção da Marvel e uma infeliz continuação como um todo. Assim, decidiu-se que um terceiro filme teria de mudar algumas coisas. Isso veio com a dose cavalar de comédia do novo diretor, Taika Waititi. O que era para abordar o evento mais importante de toda a mitologia do personagem se tornou um espetáculo de stand-up que virou o personagem ao avesso para que se encaixasse melhor no tom de outras produções, assim pegando carona em seu sucesso. “Thor: Love and Thunder” parecia trazer algo similar com o retorno do diretor e de uma estética de aparência jovial.
Thor Odinson (Chris Hemsworth) embarca numa aventura cósmica ao lado dos Guardiões da Galáxia ao final do grande conflito que quase fez os maiores super-heróis da Terra perderem pela segunda vez para Thanos de Titã. Reencontrando propósito em suas novas aventuras, Thor percebe que seu caminho é outro quando vários chamados de emergência surgem pelo universo alertando sobre um carniceiro de deuses. Um ser chamado Gorr (Christian Bale) jura vingança contra qualquer tipo de deus quando ele vê que suas preces e sua fé sempre foram em vão. Mas quando ele chega para o resgate, encontra um rosto familiar
Confesso que até pouco tempo atrás achava “Thor: Ragnarok” o melhor filme do personagem até o momento. E minha nota foi 60. Então não quer dizer muita coisa, afinal, apenas que os dois primeiros conseguiram ter notas ainda menores que isso. E é triste, porque o personagem, embora não seja o melhor da Marvel, merecia ser um pouco mais bem tratado. O que parece é que se desistiu de um caminho e, para consertar as coisas, foi-se longe nas mudanças a ponto de mudar a personalidade do herói para alguém completamente pateta, engraçado e piadista. A terceira aventura foi tão longe em sua proposta de reinvenção que funcionou como um intensivo da nova fase do herói. Quando “Thor: Love and Thunder” chegou, a audiência já estava acostumada com a nova face.
Encontrar mais um festival de palhaçadas e humor celestial vindo direto do deus do trovão não seria mais surpresa, mas seria a melhor escolha? Depende do fã a quem se pergunta. Há quem tenha adorado tudo e há quem detestou a galhofa. Até concedo que o terceiro filme é facilmente assistível, de ótima fluidez e nem um pouco cansativo, mas preferiria algo um pouco mais equilibrado. Foi o que encontrei aqui. “Thor: Love and Thunder” traz várias idéias de seu predecessor, várias mesmo, e consegue se conter um pouco mais. O choque ser menor também ajuda na impressão de que o filme é menos bobo. E ainda há espaço para várias bobagens inéditas e infantis, algumas delas totalmente novas até mesmo para o personagem recém-tornado alívio cômico. De algum jeito, ainda é menos bobo e exagerado.
A parte boa que se conserva de antes é a trilha sonora com sal, ou seja, uma que seja ao menos perceptível durante a ação e não que apenas casa com as cenas sem que sejam ouvidas de fato, mesmo que dessa vez tenham trocado de compositor. O uso de músicas famosas também retorna, dessa vez parecendo que Taika Waititi descobriu “Guns N’ Roses” em 2022 e decidiu usar vários de seus sucessos. Funciona tão bem quanto antes. Tudo casa com os visuais vibrantes e as cores vivas do visual que Waititi trouxe ao personagem, o que abre espaço até mesmo para uniformes novos que talvez fossem esquecidos por outros diretores. Nunca achei que veria algo próximo do visual estranho de Thor dos Anos 80 em cena. Bem, aconteceu.
“Thor: Love and Thunder” também merece elogios por se mostrar um pouco mais preocupado com a mitologia do personagem do que seu predecessor. Imagino que não foram poucos os que acharam questionável a decisão de transformar tudo em piada no último filme. O grande Ragnarök, o cataclismo dos deus nórdicos, é tratado com tanta seriedade quanto um monstro verde de QI baixo e um loiro musculoso conseguiriam. É o fim do mundo para muita gente e, do primeiro segundo com Surtur à toda a resolução do conflito, é tudo tratado com piada. Uma ironia, considerando o peso do que acontece já no começo de “Avengers: Infinity War“.
Como ele faz isso? Diminuindo o escopo e lembrando de personagens esquecidos. Sim, Jane Foster (Natalie Portman), a mesma que havia sido completamente ignorada no terceiro filme e só apareceu como personagem de animação e num universo alternativo em “What If…?”, volta para o primeiro plano em uma participação digna do poder do deus do trovão. Como uma história menor dentro do universo do personagem, “Thor: Love and Thunder” maneira em todos os exageros de seu predecessor para oferecer uma experiência mais equilibrada, ainda que não sem a eventual vergonha alheia ou uma enrolação no meio do caminho que atrapalha o ritmo.
“Thor: Love and Thunder” pode até não contribuir muito, talvez quase nada, para o Universo Marvel como um todo em termos de construir algo que talvez faça a diferença em um novo arco multi-fase. O que ele consegue, por outro lado, é trabalhar uma história que relembra alguns personagens do passado e os valoriza, tratando-os como personagens e não coadjuvantes criados para ocupar espaço e depois serem esquecidos. Em uma decisão narrativa ousada da parte de quem escolheu o arco a ser adaptado, o filme consegue ter novos personagens, dobrar o valor heróico da equação e ainda ter um pouco de coração que faltou completamente no anterior. É uma simplificação do arco dos quadrinhos da Nova Marvel? Sim. Mais uma vez, a Marvel reduz vilões e arcos inteiros a uma obra de 2 horas. E dessa vez funciona um tanto melhor do que de costume, quando vilões por vezes bons são descartados rapidamente.
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Sempre muito pontual em suas críticas, gosto muito!