Depois de três anos desde o desnecessário “Toy Story 4“, a Disney/Pixar mostra que ainda não está pronta para deixar a propriedade intelectual quieta e decidiu que uma pseudo-história de origem para o personagem de Buzz Lightyear seria uma boa oportunidade. Quem é o personagem de verdade, aquele em que os brinquedos foram inspirados? Dentro do universo de “Toy Story”, é mostrado que ele é vem de uma franquia que tem programas de televisão e até um jogo de videogame, o que deixa claro o suficiente para ser aceito como um plano de fundo. É um astronauta aventureiro explorador da galáxia; ele tem armas e vários equipamentos fascinantes e um arqui-inimigo. O que mais é necessário? Parece que não estava claro o bastante, então se decidiu fazer mais um filme para explicar as coisas.
Buzz Lightyear é um astronauta em missão de exploração pela Patrulha Estelar. Numa nave com 1200 tripulantes adormecidos, ele e sua comandante devem averiguar quais planetas em seu trajeto são habitáveis e fazer tentativa de colonizar caso esteja tudo certo. Ao se aproximar de um planeta a 4.2 milhões de anos-luz da Terra, Buzz acorda de sua hibernação para fazer o reconhecimento do terreno. As coisas dão errado quando a fauna local se mostra hostil e faz com que a Patrulha Estelar decida abandonar o planeta, mas um erro por arrogância de Buzz faz com que a nave seja danificada e eles fiquem presos no planeta até conseguirem consertar um cristal que possibilita velocidade da luz.
Os primeiros teasers e trailers de “Lightyear” passavam uma idéia de que o filme seria um pouco mais sério do que sua contraparte de animação, “Buzz Lightyear do Comando Estelar”, que já em 2000 explorava o universo expandido do personagem como um astronauta explorador da galáxia de fato, assim como o personagem acreditava ser quando aparece pela primeira vez em “Toy Story”. Então qual o motivo de lançar mais uma animação, dessa vez com técnicas significativamente mais avançadas de animação com praticamente a mesma proposta? Dinheiro, claro. De qualquer forma, ainda criando confusão sobre o que é o que e, assim, fazendo muita gente se pegar pensando sobre o canon de Buzz Lightyear pela primeira vez. Pois é. Parecia que o diferencial seria algo um pouco mais sério que o tom claramente direcionado para o público infantil do desenho animado.
A história começa com uma premissa familiar para quem já assistiu alguns filmes de ficção científica. Uma nave enorme, carregando 1200 pessoas, está em missão de exploração e colonização. Seu objetivo é conferir planetas com potencial de abrigar vida humana. Já no primeiro que param, surgem problemas e eles ficam presos sem perspectiva de fuga. Até aí tudo bem, isto é, se for adotada uma postura descompromissada que esquece de todos os detalhes da história exceto por aquilo que é mostrado na tela claramente. O resto, o que fica sugerido e pincelado no subtexto deve ser esquecido para o filme não sofrer com isso. No entanto, é claro que como crítico de cinema devo cumprir meu trabalho de ser o ser humano mais chato do planeta e analisar essas inconsistências ou superficialidades, por mais que não seja nada que quebra a experiência a ponto de tornar “Lightyear” uma frase mal-pensada em que o sentido se perde na metade e ninguém sabe do que se trata no fim.
“Lightyear” funciona. Apenas em uma lógica simplificada, sem perguntas feitas e sob uma ótica infantil, a qual só é interessante mesmo na forma como é traduzida na linguagem visual. A nave é redonda e gordinha, sem muitos detalhes complicando um design bobinho de foguete; os designs de armadura são iguais aos do desenho, como numa tentativa de resgatar a nostalgia de algo que nem é tão clássico ou está sumido faz tempo; e praticamente toda ciência mostrada é simplificada a sistemas automatizados, humanizados ou resumida a botões enormes com funções convenientes. Para fabricar um cristal, basta apertar botões gigantes numa máquina que poderia ser facilmente confundida com uma de Slurpee. Nesse quesito, não há problema em projetar as máquinas como brinquedos feitos para crianças com dedinhos desajeitados e sem coordenação, cria-se um visual interessante e diferenciado da infinidade de botões nunca usados em cena. Além disso, facilita coisas como “injetando composto concentrado do composto químico B-HC230 e ativando catalisador para geração de essência cristalizada de alta octanagem” ao transformá-las em “aperte botão para criar cristal azul”.
Quando se pensa um pouco mais nos detalhes, “Lightyear” sofre o peso de ser raso em sua construção de universo. É aí que começa a impressão de ter sido feito para um público mais infantil, um que talvez nunca vá pensar nos detalhes não mostrados ou discutidos. Essa impressão é ainda reforçada por um elenco de personagens trapalhões que servem mais para tentar fazer gracejos infantis do que tirar alguma risada ou funcionar como uma equipe de vira-latas. Quanto aos detalhes não discutidos, se existe um Comando Estelar e tecnologia para viagem na velocidade da luz, por que a missão parece tão amadora? Seria mais crível achar que o foguete saiu da Terra nos Anos 60 sem perspectiva de voltar e, com sorte, os astronautas encontrariam algo útil. Mas não, a missão possui tecnologia, equipe de sobra e absolutamente nenhum recurso em caso de algum imprevisto. A nave fica presa e é o fim. O filme quer que o espectador acredite que não há nenhuma forma de consertar a situação, exceto pelo plano improvisado de Buzz Lightyear, algo que cai um tanto no clichê do herói que precisa salvar o mundo sozinho com sua audácia, bravura e competência.
Também senti falta do plano de fundo sentimental que a Pixar quase sempre consegue construir com maestria. Falta aquele lado emotivo, por vezes até um pouco soturno, que injeta uma dose de humanidade e realismo em histórias que por fora são coloridos, felizes e atraentes para os espectadores mais jovens. A tentativa de fazer isso em “Lightyear” cai por terra principalmente por conta da forma como o roteiro trata a missão de Buzz Lightyear de salvar a missão: levianamente, como uma tarefa a ser cumprida como qualquer outra, a não ser pela importância que o próprio enredo tenta atribuir a ela. No final das contas, a aparência inicial e o estilo artístico da animação pouco escondem o filme simplista em sua essência.