A idéia era começar o texto questionando a necessidade de “Toy Story 4”, em primeiro lugar, mas praticamente todo espectador pensou nisso quando ele foi anunciado. Sim, o final de “Toy Story 3” foi perfeito por finalmente transformar o conceito de brinquedos numa aventura em algo mais, dessa vez envolvendo temas de abandono, amadurecimento e até trabalhando diretamente com a nostalgia de ter sido feito 12 anos após “Toy Story 2”. Outros 8 anos passam até que a Pixar decide trazer de volta Woody e todos os brinquedos para uma quarta aventura com uma nova criança. Qual seria um bom motivo para isso?
Antes mesmo de Andy crescer e ir para a faculdade, sua jovem irmã Molly passou pelo ciclo de cansar de alguns brinquedos velhos, passando Betty e suas ovelhas para novos donos em certa ocasião. Anos depois, chega a vez de Woody, Buzz e todo o resto de ir para um novo lar e começar uma nova vida na casa da pequena Bonnie, mas nem tudo acontece como o esperado e Woody se vê deixado de lado nas horas de brincar, novamente um brinquedo esquecido e sem propósito. Isso muda quando Forky entra para o grupo e todos partem numa viagem em família carregada de novas perspectivas com o reaparecimento de Betty na vida de Woody.
Preferi não acompanhar as notícias e trailers, como de costume, para evitar criar expectativas possivelmente incorretas e encontrar algo que seja tão inédito quanto possível na hora de assistir de fato. “Toy Story 4″se propôs a continuar um arco narrativo bem concluído anteriormente e convencer a audiência de que a razão para um retorno seria bem justificada. Tudo é possível nas mãos certas e vários casos de sucesso inesperado estão aí para mostrar como expectativas negativas podem ser frustradas quando criatividade se alia à competência. Isso não é o que se sente exatamente neste quarto capítulo da história de Woody. Ao menos se tratando de uma premissa instigante, resta uma sensação inicial de que talvez tivesse sido melhor deixar as coisas como estavam antes.
Isso não significa que “Toy Story 4” seja um passo em falso, uma rara ocasião em que a Pixar faz um filme mediano ou pior. É impossível destacá-lo completamente dos outros episódios. Incoerente até, pois seria o mesmo que esquecer forçadamente de elementos que esta própria narrativa aborda diretamente, então não há como dizer que é uma obra absolutamente independente. Também não quer dizer que o enredo carece de estrutura própria ou que conquistas individuais não se encontrem aqui. De forma relativamente isolada, este é um grande filme por razões diversas. Algumas esperadas e de menor impacto por estarem presente em quase toda nova produção Pixar, outras também mais ou menos esperadas, mas com um diferencial positivo porque o elemento em questão é a capacidade do estúdio de surpreender com inovações criativas em personagens novos, piadas ou até mesmo temas narrativos.
Esperado era ver a tecnologia novamente dando passos em frente. A primeira seqüência de “Toy Story 4” traz um pedacinho do passado de quando os brinquedos ainda moravam com Andy e traz apenas uma pontual informação a ser resgatada mais adiante. E se passa na chuva. Pode parecer irrelevante porque é um elemento muito comum mesmo, só não da forma que é mostrado aqui. A seqüência toda é um espetáculo visual em baixa iluminação e efeitos de partículas e líquidos de cair o queixo. É até estranho se impressionar com os efeitos quando eu tenho um boneco em tamanho real do Woody, mas nem ele parece tão real quanto o do filme, certamente não tão bonito ou bem fotografado quanto. O cuidado com a iluminação dentro de uma animação é notável e faz pensar em como a arte da cinematografia e seus princípios vêm sendo aplicados em imagens completamente criadas em computador.
Um modelo 3D possui profundidade porque essa é a definição de terceira dimensão e é assim que o modelo é concebido no programa. A diferença é que iluminação pode realçar esta característica e embelezar a imagem. É uma das idéias mais básicas da cinematografia e não menos eficiente por isso. Ver o rosto de Woody sob uma luz de tungstênio e materiais de refletividade diferente nos olhos e no rosto, os cantos de seu rosto delineados por uma fonte de luz vinda das costas e depois tudo isso em movimento é a Pixar conquistando de novo os limites estabelecidos por ela mesma. Assim como esse aspecto, a trilha sonora retorna tão relevante quanto foi na primeira vez quando “Amigo Estou Aqui” tocou pela primeira vez em 1995. Novamente se tenta resgatar a nostalgia, dessa vez em momentos bem perceptíveis cuja leve falta de sutileza não estraga o mérito das melodias de Andrew Newman de ajudar a construir um sentimento de fluidez e também o humor de “Toy Story 4”, um aspecto que não sofreu nem um pouco.
A despeito de alguns pesares e escolhas narrativas questionáveis encontradas no final, não consigo ver motivos para criticar “Toy Story 4” em sua proposta de ser um veículo de entretenimento cômico com maior profundidade sentimental que a maior parte do gênero Animação. Em outras palavras, um filme divertido que nunca deixa a desejar na hora de inventar algum motivo para as coisas darem errado de formas um tanto peculiares. Ainda se trata da série que transforma ursinhos cor de rosa com cheiro de morango e bonecas de porcelana em vilões, antiquários em um antro de terror e o quintal de vizinho no inferno na terra para brinquedos. Não é o que se espera do antagonismo clássico envolvendo entidades sinistras e obscuras, é sempre alguma escolha familiar com uma virada. E o mesmo acontece com praticamente todas as idéias envolvendo cenas mais grandiosas e agitadas, assim como o humor. Quem diria que uma dupla de ursinhos costurados juntos pelos braços seria uma das maiores fontes de comédia do filme? Por mais que “Toy Story 4” esteja mais para “Toy Story 2” por ser mais uma aventura no universo em vez de ter o impacto do primeiro e do terceiro, não deixa de ser uma experiência satisfatória por si. Exceto pelo final controverso, antes de mais nada.
Era de se pensar que um mercado movido a dinheiro não deixaria uma série de arrecadação multimilionária simplesmente morrer, mesmo depois de uma conclusão de trilogia considerada unanimemente perfeita para as histórias com Andy e o início de um novo ciclo na vida dos brinquedos. Faria sentido, financeira e narrativamente falando, se “Toy Story 4” fosse o começo de uma nova trilogia num molde parecido com o de Star Wars. O que se encontra, por outro lado, é uma conclusão que parece fora de lugar em um recomeço de série. É ótimo encontrar fechamento independente de resolução em seqüências, o problema é que este caso configura uma situação complicada: se a idéia era fazer mais filmes, então a deixa oferecida aqui é pouco instigante; ao mesmo tempo que como unidade individual, este novo capítulo parece sobrar diante do que se construiu e concluiu nos três anteriores.