Desde pequeno, Michael Morbius (Jared Leto) sofre de uma doença em seu DNA que causa problemas na produção de sangue e exige atenção médica constante. O garoto demonstra potencial desde cedo e logo é enviado para uma escola para crianças superdotadas, eventualmente liderando uma equipe inteira dedicada a encontrar uma cura para sua condição. Sua pesquisa altamente experimental foca na manipulação de DNA envolvendo morcegos-vampiros e ele finalmente chega numa solução que estabiliza sua condição pela primeira vez. Seu primeiro teste humano, é claro, é em si mesmo e as coisas dão terrivelmente errado. Michael se vê tomado por instintos incontroláveis quando bebe sangue humano, sendo curado de sua condição e ganhando novos poderes, mas a que custo?
Se fosse fazer uma comparação imediata para estabelecer algum parâmetro próximo, o mais intuitivo seria comparar com “Venom“, outra produção mais ou menos nos mesmos moldes por escolher um vilão do Homem-Aranha e contar sua história isoladamente de todo o contexto onde surgiu. E já deixando claro, eu acho o filme muito ruim. Sem graça, mal interpretado, sem muito sentido por não existir um herói e uma oportunidade perdida, no geral. No entanto, de todas as coisas horríveis fazem “Venom“, ainda posso dizer que ele é marcante de alguma forma, nem que seja como referência de tentar ser muito engraçado e falhar na maioria esmagadora das vezes. Ou como referência de história de vilão sem sentido por tentar transformar vilão em herói e não ter a mesma coragem de “Joker” de se entregar à essência do personagem. Ao menos será um filme que sempre será lembrado por ter Tom Hardy numa performance ridiculamente exagerada falando sozinho num tom caricato. “Morbius” nem isso — Jared Leto ironicamente está longe de ser criticável ou responsabilizado por tudo que há de ruim aqui.
Dito isso, as piores partes aqui não chegam a ser tão ruins quanto as de seu próximo. Não há nada ofensivo em termos de humor falho ou de cenas exalando vergonha alheia, quase nada de “Morbius” exclama ruindade absoluta e chega a ser digno de ridicularização. Só falta qualquer coisa digna de nota. Em sua essência, o roteiro segue quase a mesma estrutura da história do simbionte e, inclusive, também é vilão do Homem-Aranha, e também trabalha a idéia de um cidadão comum que acaba se deparando com poderes que puxam muito forte para o mal, mas eles acabam encontrando uma forma de não ser vilões como em suas versões originais. E a história se desenrola desse ponto, seguindo quase passo a passo o conceito de história de origem, conhecimento de poderes e teste deles quando surgem um antagonista, o que deveria ser o herói de quem eles são vilões se o mundo fosse um lugar justo e coerente, mas não é isso que acontece.
O problema é estupidamente simples, quando se pensa no assunto: a Sony parece ter voltado aos Anos 2000 com essa nova leva de filmes inspirados em vilões. Sendo justo, “Venom” ainda tem qualquer coisa de inspiração ali no meio, nem que seja uma inspiração para comédia sem graça e um “buddy movie”, de certa forma. Se não fosse pelos efeitos especiais modernos, seria fácil fazer um chute e dizer que é um da época de “Daredevil“, um tempo estranho em que super-heróis eram associados a coisas horríveis, já que a maioria das produções eram de gosto duvidoso. Por exemplo, por que alguém faria um filme da Mulher-Gato? Do nada. A última vez que a personagem apareceu havia sido em “Batman Returns” de 1992, só que fica melhor ainda porque os produtores não trazem a mesma atriz, não fazem ligação com os filmes do Batman anteriores e sequer se inspiram na Mulher-Gato dos quadrinhos, inventando uma origem alternativa e até poderes novos para a personagem. O estrago de “Morbius” não é grande igual, porém ele passa a mesma impressão de gratuidade. Ele nem é um grande personagem do rol de vilões do Homem-Aranha, sempre foi de segunda categoria e nunca houve pedidos dos fãs por algo dele, até porque já haviam adaptado um dos maiores antagonistas do cabeça de teia e as avaliações foram pesadas. Porém o filme fez muito dinheiro. Bingo.
Os olhos cresceram de novo e a Sony achou que a fórmula tinha tudo para dar certo de novo, bastaria trocar o personagem e trabalhar uma história de origem genérica e esperar o dinheiro começar a entrar. É um plano bem raso, tipicamente o que a maioria espera dos executivos que aprovam projetos e não entendem nada além da língua do dinheiro. Dinheiro? Onde? Sim, pode aprovar, faz igual sem copiar que tá tudo bem. Para não dizer que tinha tudo para dar errado, esse plano já rendeu frutos decentes mas também não é uma completa surpresa quando dá errado. Indo pelo óbvio, essa é a história de um cientista que se transforma num vampiro quando tenta se curar de uma doença degenerativa. Dificilmente é o mais interessante de todos, originalmente um vilão inclinado para o Terror dentre tantos outros e, embora tenha se originado de formas diferentes, não deixa de ser um vampiro.
E por que isso seria interessante? Eu não sei. Nunca tive nada contra o personagem em seu contexto original mas também nunca desejei ver um filme só sobre ele, especialmente um filme que soa genérico, é genérico e nem mesmo em seu conceito imerso em mesmice consegue ter o mesmo sucesso que outras histórias de origem de super-heróis. E tudo bem, entendo que em alguns arcos que o personagem teve ao longo de 50 anos ele já foi anti-herói, herói e até vampiro de verdade, não geneticamente criado. Se for usar esse argumento, quase todo herói já fez um pouco de tudo e até o Capitão América já foi da Hydra. Não quer dizer que adaptar uma dessas idéias diferentes funcionará quando transposto ao cinema. Isso depende da competência daqueles por trás da adaptação. O que se encontra aqui é uma bagunça que não sabe apresentar o personagem ou mostrar por que alguém deveria se empolgar, explora mal suas habilidades e não distingue o personagem daquilo que seria um vampiro qualquer, além de ser uma história sem graça e de cenas de ação pouco inspiradas, que não fazem nenhum favor para a obra.
No fim, logo após sair de uma sessão atrapalhada por quedas de energia, resultando em mais de alguns momentos sem luz dentro do cinema, não achei “Morbius” a pior experiência cinematográfica que tinha tido em muito tempo, o pior da DC de todos os tempos e uma ofensa ao cinema como mecanismo expressivo e artístico. Até tive uma impressão ruim, não terrível. Foi com o passar do dia que minha impressão foi ficando pior. Cada vez que pensava no filme, menos conseguia lembrar de alguma coisa boa, qualquer coisa na verdade. Pior do que faltar alguma coisa que redima a obra ou que seja muito positiva, é não ter nem isso. Há casos em que existe uma única qualidade entre todo o resto feito de fracassos abomináveis, como efeitos especiais bonitos num resto tenebroso, nada que salve o filme ou chegue perto disso; e há casos em que parece não haver nem mesmo um aspecto negativo de destaque , casos em que tudo parece simplesmente passável. Se pudesse descrever essa obra, seria assim.
2 comments
Caio, boa-noite!
Só pelo trailer, senti que não devo perder o meu precioso tempo. É como tu disseste: “insosso e esquecível.”
Muita Luz para você.
Difícil defender esse. Como eu disse, não me vem na cabeça “É uma merda” quando eu penso nele, mas é tão pouca coisa que não dá pra dar uma nota mais alta.