Foram 5 longos anos sem um filme de Paul Thomas Anderson. Cinco anos desde o excelente “Phantom Thread“. Mas tudo bem, já faz um tempo que as pessoas se acostumaram com longos intervalos entre produções do diretor, pelo menos de uns três anos por hiato. Nesse período, e até antes da penúltima obra, Anderson realizava clipes para o grupo musical HAIM, tendo dirigido oito trabalhos para o grupo. Eis que em “Licorice Pizza”, as irmãs fazem sua estréia em um de seus filmes. Todas as três, com uma delas tomando o centro da obra como protagonista.
Alana Haim, a irmã caçula, interpreta Alana Kane uma fotógrafa que conhece Gary Valentine (Cooper Hoffman) no dia de sua formatura do ensino médio. Ela é alguns anos mais velha que ele, o que não o impede de tentar alguma coisa e ver no que dá, resultando numa amizade intensa. De um lado, Alana se pergunta o que diabos ela faz andando com um monte de adolescentes mais novos; do outro, Gary mal consegue conter sua empolgação em arrastá-la a todos seus empreendimentos e idéias mirabolantes. Juntos, eles embarcam em algumas aventuras peculiares e tanto pela Califórnia de 1973, uma mistura estranha de amizade, primeiro amor, paixão reprimida e uma parcela respeitável de aleatoriedade.
Aos curiosos, “Licorice Pizza” não tem nada a ver com os últimos trabalhos de Paul Thomas Anderson. É uma quebra e tanto do tom melancólico, obsessivo e soturno de “Phantom Thread“, assim como tem muito pouco da história de detetive soterrado de maconha e cronologia fragmentada de “Inherent Vice“. A maior similaridade é a ambientação da Califórnia dos Anos 70 com um porém: aqui há uma atmosfera de nostalgia como filtro sobre toda a cidade. Eis os anos dourados, a época maravilhosa em que tudo era um pouco mais doce, até mesmo as partes ruins da vida. Ou melhor, será que havia mesmo infelicidade naquele tempo? Frustrações pesavam menos e sempre havia um sentimento de ingenuidade alegre para aliviar os pesos. Esse é o espírito dessa história sobre amor jovem em lugares queridos da infância.
Um cenário relacionável, seja por similaridade com a vida do espectador ou por pura competência do diretor e roteirista em criar um ambiente imersivo e atraente para quem não viveu algo parecido. Obviamente que isso se torna mais natural para alguém como Quentin Tarantino, por exemplo, que fez algo igualmente nostálgico em “Once Upon a Time in Hollywood“, embora com um foco maior no universo do cinema. De qualquer forma, ficava claro o carinho do diretor pela sua ambientação assim como fica aqui, quando a era é colocada em primeiro plano como algo a ser percebido, mais do que de costume em outras obras. Nem sempre histórias de romance jovem colocam um destaque tão grande no lugar onde estão. Qual a relevância de Nova York, tão utilizada e por vezes tão mal aproveitada, para a trama? Sabe-se muito bem do potencial que um ambiente pode ter para a história, inclusive a própria capital do mundo tem muita margem para se tornar parte das histórias dos seus habitantes.
“Licorice Pizza” se difere um pouco no sentido de que não é tanto Los Angeles que é especial, mas aquele momento no tempo que o diretor encapsula, sem nunca declarar abertamente o amor pela cidade em si. O amor está nas idéias que só um adolescente tonto teria e nas possibilidades que os Estados Unidos proporcionam até mesmo para alguém tão jovem, alguém que nem chegou a ser adulto e está dirigindo caminhões pela cidade e montando negócios como se fosse a coisa mais normal do mundo para alguém de 17 anos. Mas é o país onde tudo é possível, e para efeito cômico e fantástico a desventura juvenil se torna ainda mais interessante porque o roteiro sabe usar isso ao seu favor. E, ao menos no meu caso, as coisas eram um pouco diferentes na juventude. Mas não tudo. Mudança de cenário à parte, a essência da história se mostra bastante relacionável.
Importante para isso é que não há uma atitude Pollyana. Ou seja, por mais que haja certo carinho e apreço pelos momentos que são relembrados e retratados, não é como se tudo fosse perfeito e as alfinetadas de vida real estivessem ausentes. Nada muito dramático nem fatalista, que fique claro, apenas as partes tão essenciais e presentes quanto a nostalgia agradável. Assim como as memórias trazem de volta as paixões antigas, volta todo o resto também, naturalmente. E o que é mais pungente do que a lembrança daquilo que nunca foi? Como esquecer das oportunidades perdidas, das hesitações nunca redimidas, da falta de coragem ou de experiência que resultou em não realizações?
Gary Valentine é a resposta disso. O personagem, longe de ser a imagem de um galã ou o bonitão do colégio, ostenta sentimentos contraditórios em momentos diferentes de sua jornada: ora confiante como um empreendedor milionário sem ter o que perder; ora sem chão por ver que seus avanços são em vão. Afinal, nada mais frustrante do que ter muitas coisas menos aquilo que se quer de fato. Alana Haim é a parte que dá sentido ao conflito constante de Gary. Nem ela é a grande beldade, objeto de desejo universal de todos os homens, mas basta ela demonstrar um orgulho e dizer um não para ser automaticamente colocada em um pedestal por aqueles que a desejam.
A melhor parte de “Licorice Pizza” é a dinâmica sem pressa na progressão de uma trama relativamente simples, que só funciona por ter as famosas gorduras em torno de um conceito magro. Não há uma história além do flerte interminável entre Gary e Alana. Não há como evitar sentir uma agonia de ver ambos num futebol de sabão que não chega a lugar algum. E a fim de não depender só da expectativa do espectador de ver algo acontecer entre os dois, a caracterização da cidade como um lugar belo e estranho ao mesmo tempo, nostálgico e com uns eventos muito aleatórios no meio. O que poderia ser só mais uma história de amor se mostra algo mais. Escolhas de elenco acertadíssimas e performances que fazem jus ao visual tornam um potencial filme chato em algo divertido até mesmo para quem não tem conexão direta com o quesito nostalgia.