Diretor de premiados filmes, como “Boogie Nights” e “There Will Be Blood”, Paul Thomas Anderson revisita a loucura da Califórnia dos Anos 70 neste longa-metragem também indicado a dois Oscars. Em sua segunda parceira com o ator Joaquin Phoenix, o diretor consegue tirar o máximo de suas habilidades dramáticas, não só estabelecendo sua imagem como um cineasta interessante como também cimentando a reputação do ator como um dos grandes profissionais do Cinema da atualidade.
Doc Sportello (Joaquin Phoenix) é um detetive particular de Los Angeles, que quando não está focado em algum caso, certamente está desfocado por causa de seu uso frequente de maconha. Quando Shasta (Katherine Waterston), sua ex-namorada, aparece em sua vida novamente sem aviso e com uma história duvidosa, Doc passa a seguir uma série de pistas para descobrir o que realmente está acontecendo em Los Angeles. Repentinamente, seu passado amor desaparece do mapa, levando o detetive a perseguir com ainda mais afinco não apenas os esquemas rolando detrás das cortinas, mas também o que causou o sumiço de Shasta.
Não só na década de 1970 como em outros momentos da história, Los Angeles mostrou ser uma cidade eternamente ambígua: sonhos são construídos e edificados, para serem realizados ou simplesmente destruídos e descartados; vidas felizes são levadas, ou mantidas na mente como uma fantasia distante; e até mesmo quando a situação complica, a polícia demonstra controle, ou deixa estourar mais um escândalo de corrupção em sua estrutura. É nesse ambiente que este filme se localiza, com o estilo hippie ainda em alta e plenamente presente. Nessa linha, um dos pontos mais excelentes da obra se desenvolve: a ambientação do filme, assim como a imersão do espectador na obra causada por esta. Obviamente que o mínimo que se exige de um trabalho de época é que os lugares pareçam pertencer ao período em questão, mas apenas isso não basta para atingir o efeito que é visto aqui. Além dos esperados carros e roupas característicos da década, outros detalhes enriquecem a representação da cidade, como gírias, maneirismos, comportamentos peculiares, e minúcias que apenas olhos mais atentos captarão; todas elas definitivamente tão bem transmitidas através do conjunto de espetaculares atuações, com destaque ao protagonista Doc Sportello.
Phoenix mostra-se esplêndido em seu papel, entrando de cabeça em seu icônico personagem e entregando uma das atuações mais singulares do ano, ironicamente indicada a apenas um Globo de Ouro. Longe de ser uma performance extravagante, aparentemente uma preferência da Academia, a magia de seu personagem encontra-se contida no compromisso do ator com seu papel: nada aparenta ser minimamente imitado ou fingido, seus movimentos são orgânicos e seu comportamento é completamente natural. Assim como um filme sleeper hit, que encontra sucesso em outros métodos que não publicidade pesada, o personagem Doc Sportello mostra-se um sucesso de volume baixo, excelente para quem quer que o note ali. Entretanto, por mais que este longa-metragem capture perfeitamente a atmosfera da cidade dos anjos, dos cidadãos até os locais, uma coisa crítica parece fora do lugar.
A grande questão aqui está na teoricamente genial idéia de implementar essa estética na narrativa. No papel essa é uma proposta sensacional, pois com tudo o que se construiu na caracterização de ambiente e personagens teria-se uma trama ainda mais rica, em uma elegante sintonia com o conteúdo visual. O problema é que por mais que tudo pareça ser excelente, sem chance de erro, temos um longa que trata de uma cultura onde o uso de maconha é frequente, com direito às falhas cognitivas e tudo. Numa tentativa de enriquecer o modo de contar a história, lapsos de memória são inseridos frequentemente entre os diversos pontos chave do filme, no caso onde a situações onde o enredo avança. Deste modo, temos uma investigação enorme sobre o desaparecimento de alguém totalmente picotada pelo que o filme chama de “doper’s memory” (Memória de Drogado em português), refletindo diretamente na história as sequelas da memória e da percepção do protagonista. Por ser relativamente complexo, ainda mais considerando a profundidade dos diálogos, o enredo acaba sendo mostrado de uma maneira extravagante, mas definitivamente prejudicada por ser desnecessariamente complicado. Enquanto visualmente este aspecto continua tão genial quanto todo o resto, como quando personagens somem momentaneamente ou quando cortes abruptos são inseridos, de qualquer outro modo esta abordagem apenas prejudica a trama.
O que começa como uma intensa demonstração de integração entre visual e narrativa, progressivamente caminha para tornar-se algo confuso ao passo que a trama se densifica. Apesar de tudo, as coisas se encaixam no final, mas o sentimento passado para o espectador é basicamente: “O que diabos eu acabei de ver?”. Digo isso não no sentido de surpresa agradável, mas sim me referindo à bagunça que a história se torna por vezes, tornando este longa-metragem mais uma decepção que algo cativante.