Nunca tinha me interessado tanto por “Whatever Works” quanto depois de que assisti “Curb Your Enthusiasm”. Ler a autobiografia de Woody Allen certamente ajudou, apesar de ele ter comentado pouco sobre esse trabalho, falando apenas que trabalhou com um mestre do humor seco — deadpan, no inglês. Não poderia haver melhor incentivo do que assistir ao seriado que é o veículo-chefe da carreira e da figura de Larry David, um que conta, basicamente, a história cômica de sua vida como um roteirista popular em Los Angeles e suas desventuras. Dois artistas do humor unidos num mesmo trabalho, sarcasmo aliado à autodepreciação. O que poderia dar errado?
Boris Yelnikov (Larry David) é um acadêmico renomado de mecânica quântica. Ele quase foi indicado ao Nobel, quase, e hoje passa seus dias aposentado em um apartamento tipicamente nova iorquino com apenas si mesmo de companhia. Durante o dia, ele se ocupa falando sobre qualquer coisa com seu bando de amigos falando sobre qualquer coisa, normalmente reclamando da vida ou discutindo algum assunto hipotético que será esquecido no mesmo dia. Sua vida é cinismo puro todo dia até que ele encontra uma garota sem teto no beco do seu prédio, Melody Celestine (Evan Rachel Wood), e aceita dar uma ajuda que acaba custando mais caro do que ele planejava. Ele é um gênio amargo, ela é uma verdadeira anta.
Não sei se havia alguma expectativa inconsciente sobre “Whatever Works” por ela trazer Larry David. Sua personalidade mostrada em “Curb Your Enthusiasm” é muito única e dificilmente pode ser chamada de versátil. Pelo contrário, a maior parte de seus problemas acontecem porque ele é muito ele, não consegue evitar se expressar de seu jeito peculiar e acaba incomodando os outros acostumados com interações mais civilizadas. Assim, é um temor mais ou menos justificado, ou melhor, uma expectativa que pode atrapalhar o que o ator tem para apresentar nesse trabalho original. Ele se confirma quando David de fato não revoluciona no âmbito das atuações e traz algo similar ao seu trabalho anterior e não totalmente igual. Talvez deixando insatisfeitos aqueles que queriam mais do mesmo e os que esperavam algo novo.
Sendo justo, há espaço entre os extremos de gostar muito e detestar. Larry David ainda é Larry David, só que com algumas mudanças para não ser igual à sua persona no seriado. O próprio avisou a Woody Allen que todo seu trabalho nele era improvisação, mas o diretor insistiu que ele aceitasse o papel e o resultado foi uma versão de David mais ranzinza e prolixa do que o normal. Justo o bastante. Ainda consegue ser um resultado positivo, mesmo que não impressionante, o que resume em grande parte como me sinto em relação a “Whatever Works. É um bom filme e não muito mais do que isso. Acerta em praticamente tudo a que se propõe e só não vai muito longe porque nada é particularmente distinto, original ou de execução extraordinária. Difícil apontar o que poderia ser melhor, é mais uma questão de encontrar mais do mesmo do que já se viu em filmes de Allen e poucos destaques.
Mesmo assim, “Whatever Works” funciona. Há algo sobre essa história que não me desce completamente. “Whatever Works” traz um homem de 62 anos, aposentado, manco e rabugento se relacionando uma garota jovial, saudável e ingênua. Ele é muito inteligente e ela é bem burrinha. Os opostos. Depois de sabe-se lá quanto tempo vivendo da mesma forma e fazendo as mesmas coisas, surge uma oportunidade direto dos céus para que ele abra sua mente. A providência divina vem tarde, não tarde demais, e bem num momento em que os costumes enrijecidos se tornaram cômicos quando confrontados. Para ele, é a regra e nunca houve alternativa para isso há muito tempo. Ela é igualmente tapada, só que ainda sem manias instaladas e de uma rigidez apenas baseada na ignorância. É um contraste que gera conflito, como em toda história, um dos mais exagerados também e até um tanto clichê. Os opostos se atraem; quão louco seria uma duplinha do barulho de um gênio e um imbecil? Nem precisa pensar muito para lembrar dos muitos exemplos de conflito desse tipo.
É um pouco decepcionante ver o núcleo central baseado em uma idéia tão simplista. Aliás, até há um pouco de caracterização para que não fique resumido à união do inteligente e da burra, detalhes que especificam quem é Boris Yelnikov e Melody Celestine. Todavia, a história só passa a brilhar mesmo quando novos elementos entram em cena e a comédia consegue alcançar patamares mais altos. Eis que entram alguns dos absurdos que dão à história um ar de originalidade e frescor que também fala com a ambientação nova iorquina. Essa não é mais uma história ambientada na capital do mundo porque sim. Quando alguns coadjuvantes chegam pela primeira vez no lugar e encontram algo muito diferente do ideal turístico de conhecer a capital do mundo e todas as pessoas, os estilos, as etnias, os gostos e os cheiros. O que eles acabam encontrando é uma subversão disso, uma versão bem exagerada do que a mistura de culturas pode fazer com as mentes fechadas. Junte tudo isso com uma fotografia versátil de Harry Savides, exaltando como devido cada canto diferente de Nova York sem se ater a um estilo fixo para todos os ambientes, um claro avanço do que foi visto em “Match Point” alguns anos antes.
Raramente se encontra um filme de Woody Allen que não seja aproveitável em certo nível. A média ainda é alta e esse é um daqueles com um nível de competência bom. Se considerar que as possibilidades de fracasso, ou seja, as notas mais baixas, estão em maior número do que as maiores. Talvez eu não colocasse entre os melhores do diretor ou mesmo recomendasse com entusiasmo para os fãs de Larry David, mas também não diria que foi uma experiência vazia. Os pontos mais fracos são apenas pouco inspirados, ao passo que os fortes trazem o tipo de criatividade que faz as pessoas gostarem da carreira de Allen. Talvez um pouco mais de inspiração do que brincar com opostos e chances impossíveis e “Whatever Works” seria um pouco mais único. Pena que David e Allen nunca mais trabalharam juntos desde então.