Zack Snyder não é o cineasta mais amado do mundo. Mais recentemente, sua imagem melhorou com a campanha para o lançamento do corte de diretor de “Justice League“, e mais ainda com o lançamento de fato do tal “Snydercut“. As pessoas falaram e falaram de honrar a visão sublime do artista de excelência ímpar, de restaurar sua reputação mesmo sem o diretor ter lançado nada em muito tempo. Mas ele não estava totalmente parado de 2017 até ano passado. Além do lançamento de sua versão estendida do filme de heróis da DC, ele também trabalhava em um projeto com a Netflix sobre zumbis: “Army of the Dead”, anunciado em 2007 e em limbo de desenvolvimento até 2019, quando voltou aos eixos.
Las Vegas: um acidente num transporte militar dá início a uma crise zumbi na cidade. O local é isolado pelo governo e seu destino da ainda há de ser decidido, enquanto ao redor dele vive uma comunidade sem contato com o resto do mundo. Monstros dentro, refugiados ao redor e não muita esperança de melhora. Não há motivo para ninguém entrar, até porque ninguém tem permissão, mas dinheiro é poder e poder permite que um bilionário junte uma equipe para buscar algo que é seu: 200 milhões de dólares que ficaram no cofre de um cassino. Scott Ward (Dave Bautista) lidera um grupo de mercenários e especialistas para chegar até o dinheiro e ganhar a grana de suas vidas em uma missão praticamente suicida.
Eu tinha muita expectativa e esperança para “Army of the Dead”. Snyder realmente não é o melhor cineasta do Século 21, mas posso dizer com tranquilidade que “Dawn of the Dead” é um dos melhores filmes de zumbi por aí. Remake do clássico de George A. Romero, “Dawn of the Dead“, Snyder fez uma releitura da obra e mudou alguns conceitos básicos da experiência, transformando os zumbis em criaturas mais ágeis e dando um toque mais pronunciado de filme de ação. Além disso, o orçamento extra faz toda a diferença no polimento que falta para o original, seja na escala das sequências, nos efeitos especiais ou no nível de produção visível, ou seja, a cara de filme de nível alto que vem junto. Era de se esperar que a mesma mente produziria um resultado parecido anos depois. Não é o que se encontra aqui.
Não precisaria de muito, na verdade. Era só seguir a mesma abordagem de seu predecessor espiritual com os zumbis correndo e maior foco nas cenas de ação, mudando apenas o cenário para Las Vegas e adaptando tudo para o novo enredo envolvendo o resgate do dinheiro no cofre. Em outras palavras, é um filme de roubo com zumbis, uma mistura de um subgênero clássico com outro mais moderno. Poderia funcionar. E se a duração de 148 minutos for indicativo de alguma coisa, é de que tem coisas demais em vez de faltantes, mais ou menos como acontece com “Zack Snyder’s Justice League” e suas mais de 4 horas. Sobram cenas e idéias não muito relevantes acabam fazendo parte do corte final imenso. “Army of the Dead” não chega no mesmo nível de ambição, de autoindulgência, de exagero ou do que se preferir chamar, mas ainda é um filme longo com coisas demais e que poderia ter usado um pouco mais de brevidade, além de melhor gosto em algumas idéias novas.
A impressão que tenho é que Snyder é um diretor que funciona melhor quando há algum grau de supervisão, imagino, ou algo que pode revisar algumas das idéias mais mirabolantes. Na direção de “Zack Snyder’s Justice League“, viu-se o resultado de sua empolgação com mais de 10% do filme em câmera lenta; no roteiro, suas idéias envolviam um filho sem poderes do Superman se tornando o Batman depois que este se sacrificasse para salvar Lois Lane numa invasão de Darkseid. Quase dá uma sensação de alívio por saber que essas continuações nunca sairão do papel. Em “Army of the Dead”, Snyder trabalha no roteiro com dois outros escritores e produz o filme junto com a esposa, logo o nível de interferência externa no desenvolvimento e na parte criativa foi bem baixo. O resultado foi exatamente o temido quando não há nenhum tipo de controle sobre as idéias propostas, assim algumas muito ruins acabam entrando no caminho do sucesso.
E quando as idéias são ruins, elas são muito. Snyder até tenta traçar um trajeto não tão longe daquilo que o próprio George A. Romero fez em seus filmes, mostrando um grau de aprendizado e evolução em seus zumbis. Aliás, é um conceito bem comum em obras do tipo, trazer zumbis com algum tipo de mutação que os difira das criaturas comuns. Pode ser um zumbi forte, um mais rápido, com garras, enfim, nada que seja inovação exclusiva de “Army of the Dead”. No entanto, a execução desse mesmo conceito varia entre embaraçosa e infundada. Existem zumbis alfa, mais fortes, rápidos, inteligentes e com influência sobre os mais comuns. Interessante, certo? Sim, até a hora que ganham comportamentos cada vez mais humanos e mais imbecis, também, como usar roupas, ter costumes sociais e até demonstrações de afeto. Sim. Fica pior quando alguns detalhes existem por conveniência, para fechar pontas soltas mal escritas.
O pior do roteiro, que é o ponto mais fraco de “Army of the Dead”, é sua total e absoluta falta de propósito. Existem coisas como finais irônicos, conclusões niilistas, finais abertos ou com deixas para continuações. Às vezes o herói perde, o protagonista não consegue o que queria e está tudo bem. Algo bem diferente é sentir que o filme inteiro foi por nada, sem nem mesmo um gosto amargo da derrota para dar um toque de realismo pessimista. O pior é que até quando isso acontece é sem impacto algum, insípido e sem fazer o espectador se importar de verdade. Além de burrices críticas de personagens, intenções transparentes demais e mortes previsíveis, o longa vai mais longe e traz atitudes completamente sem sentido, do tipo que fazem a audiência questionar as faculdades mentais alheias. E então surge a resposta, o propósito para a gratuidade que seria melhor se fosse apenas isso em vez de o primeiro passo numa estupidez maior. O final coroa esse processo com um louvor irônico.
Nem tudo é terrível. Por isso, “Army of the Dead” seria melhor se cortasse as besteiras e ficasse com as partes que faz bem. Zack Snyder é um melhor diretor do que roteirista, sem dúvida, e a prova está na diferença brutal entre quão divertidas são as cenas de ação e quão idiota é ver um tigre zumbi que mais existe para exibir o design bacana criado, já que na trama seu papel é raso, raso. A ação é exagerada ao nível de John Woo com um toque de hiperatividade lúdica, munição infinita e um toque de exagero em explosões e centenas de zumbis em cena ao mesmo tempo. A violência completa o conjunto como aquilo que quase nunca falta numa obra do tipo. Tendo personagens arquetípicos interessantes, embora sem profundidade, uma premissa promissora e boas cenas de ação, era só uma questão de polir mais o roteiro em algumas áreas e matar as bobagens. Nunca é tão simples, mas aqui fica a impressão de potencial desperdiçado por excessos de mau gosto.