“Wonder Woman” foi um acerto inesperado em 2017. Mais ou menos, pois na verdade sua entrada triunfal em “Batman v Superman: Dawn of Justice” foi uma das poucas partes boas de um filme bastante decepcionante. O que o veio depois foi, no mínimo, uma extensão desse grande momento e a estréia formal de uma super-heroína não tão abordada quanto outros da DC Comics. Foi um sucesso, ainda que longe de ser perfeito, e mais que o suficiente para justificar uma continuação — ou duas, como já foi confirmado. “Wonder Woman 1984” é a primeira delas e, infelizmente, um notável retrocesso também, outro motivo para as pessoas dizerem que o Universo DC no cinema é muito pior que o da Marvel.
Quase 70 anos se passam desde o advento de Diana Prince (Gal Gadot) no mundo dos homens durante a Primeira Guerra Mundial. Quase 70 anos desde seu romance com Steve Trevor (Chris Pine) e seu fim abrupto. Os tempos mudaram e a Mulher-Maravilha continua em ação, ainda que em segredo da maior parte da sociedade. Enquanto isso, sua identidade secreta mantém trabalho na Instituição Smithsoniana com artefatos e raridades, de objetos de civilizações perdidas até ferramentas de poder como uma pedra que realiza desejos. Quando ela cai nas mãos erradas, a ordem mundial é posta em risco diante da falta de limites da ganância de Maxwell Lord (Pedro Pascal).
Muita coisa dá errado aqui. Chega a ser surpreendente como a continuação consegue deixar o nível cair tanto, especialmente quando o anterior já não era uma grandiosa obra de arte. Se o primeiro fosse excelente e o segundo não tanto, seria uma situação bem comum de se ver. Quando se cai de um ponto já não tão alto e se chega em outro notavelmente baixo, trata-se de um caso que merece um pouco mais de atenção para delinear como foi possível piorar aquilo que já era um tanto imperfeito ao invés de consertar os problemas de antes. “Wonder Woman 1984” ironicamente comete pecados pertinentes à época escolhida para sua ambientação, um tempo de excessos, indulgências e exageros que muitas vezes beiravam o ridículo. Basta pensar em todas as coisas boas que vieram da época, há uma ruim curiosamente similar logo atrás. Em outras palavras, a mesma fonte produz resultados qualitativamente bem distantes.
“Wonder Woman 1984” sem dúvida consegue aproveitar alguma parcela das vantagens de ser ambientado nos Anos 80. Objetivamente, não há nenhuma razão na história para a trama se passar nesse período. Há um ar de nostalgia pairando, supõe-se que seja uma decisão pessoal de Patty Jenkins, que viveu parte da infância e a adolescência nessa década. O que isso traz de conteúdo, enfim, são algumas cenas de teor cômico tirando sarro do que era moda, as roupas hoje ridicularizadas por serem, bem, ridículas. De resto, a trilha sonora adaptada ao synthwave mostra que o retorno do gênero ainda tem força e bons representantes. Esse é um deles. Ver a campanha publicitária colorida de doer os olhos me fazia perguntar por que tudo aquilo, quase como se a filosofia fosse não usar uma paleta de cores quando era possível usar todas as mesmo tempo. Ouvir o tema da Mulher-Maravilha adaptado para esse gênero é um dos prazeres que faz esquecer tal decisão estética muitas vezes arbitrária.
Quanto ao resto, é como esperar uma profecia se completar. Roupas de época sendo motivo de chacota é apenas o começo dos problemas de uma inclinação à auto-indulgência, a maldição dos exageros dos Anos 80. “Wonder Woman 1984” se permite demais. No mau sentido. Ambição e ousadia são muito bons, elementares na expansão de um conceito ou da conquista de algo ainda mais complexo ou eficiente. Assim como tudo, isso pode se corromper numa perda de parâmetros de sensatez e qualidade, tornando-se algo como duas seqüências longas de ação… apenas para introduzir o filme. Se nem James Bond, que praticamente estabeleceu o conceito de cena pré-créditos, faz mais de uma cena, qual o sentido de fazer isso aqui? Quebrar regras, sim, só não dessa forma, sem propósito. Não é de graça que a Warner Bros. tentou cortar uma delas.
As introduções são, inclusive, ilustrativas do fracasso geral de “Wonder Woman 1984”. Uma delas é quase completamente inútil, serve como contexto para um objeto e uma cena pós-crédito apenas, e toma mais de 11 minutos dos 151 de duração. A segunda, que deveria ser a introdução formal de fato, erra puramente em sua escolha de tom retratando a heroína em ação de uma forma incoerente até, sem sentido. Por que diabos alguém introduziria a protagonista do filme contra um bando de vilões cartunescos direto de um desenho infantil? Mais além, por que diabos fazer a ação toda parecer um filme ruim de comédia, faltando apenas os efeitos sonoros dos Looney Tunes? Parece até Mulher-Maravilha contra Dick Vigarista ou os Irmãos Metralha.
É uma pena que isso seja um presságio do que vem depois. Cenas de ação boas são exceção em “Wonder Woman 1984”, com a melhor delas sendo a que apareceu no trailer que deixou todo mundo empolgado. Reina a mediocridade como um todo, sentadas no trono as cenas que deveriam ser importantes e conseguem ser menos marcantes do que outras de ação de rotina. O clímax tem exatamente nenhum ponto alto para abrir caminho ao final mais patético de um filme de herói que vejo em muito tempo, muito pior que o mais conveniente dos finais em um filme sem vergonha de se entregar ao clichê. É ridículo a ponto de esfregar na cara do espectador uma frívola mensagem anticapitalista por trás da grande decepção que é o enredo.
Há pontos que seriam ilustrativos ao extremo da estupidez gigante de algumas idéias, mas seriam revelações gratuitas e não gostaria de estragar possivelmente o filme para alguém, mesmo eu achando bem frustrante. “Wonder Woman 1984” poderia ser aquele que corrigiria as falhas de seu predecessor e entregaria algo mais polido, completo e que visivelmente aprendeu com os erros do passado. No lugar disso, há uma obra com um quê de nostalgia gratuita para justificar coisas como o título ser animado em estilo VHS, ação fraca, um vilão tosco, outro vergonhoso e uma trama pior ainda.
1 comment
Muito bom o texto!!!
Parabéns!!!