Finalmente. O embate que todos os fãs de terror slasher estavam aguardando. Os dois maiores ícones do gênero em um mesmo filme, lutando um contra o outro, pois por que não? A melhor coisa que fazem é matar gente, então por que não matar um ao outro? Não é a mais genial ou a mais profunda das idéias. Seria improvável se fosse, afinal ambos os personagens se tornaram populares reciclando a mesma fórmula ao longo de duas décadas. “Freddy vs. Jason” é mais um serviço aos fãs do que qualquer coisa, mas não deixa de ser um bom filme, apesar de alguns pesares.
A cidade de Springwood tem aproveitado tempos de tranquilidade sem a presença do aterrador assassino de crianças e eventual assassino dos sonhos, Freddy Krueger (Robert Englund). Com o tempo, as pessoas, especialmente os jovens, esqueceram de seu nome e, assim, seu poder se tornou uma piada. No entanto, o assassino tem um plano: ressuscitar Jason Voorhees (Ken Kirzinger) e soltá-lo na cidade para que as pessoas voltem a ter medo.
A idéia de um crossover entre as duas séries sempre existiu. Desde que as duas se tornaram populares na Década de 80, isto é, quando começaram a surgir ícones do gênero que perduram até hoje na cultura popular: Leatherface, Michael Myers, Jason Voorhees, Freddy Krueger, Chucky, Pinehead, entre outros. Normalmente é material para fanfics e outras obras não oficiais, ao passo que “Freddy vs. Jason” concretiza o sonho em uma produção canônica para os dois personagens, ao contrário de “Alien vs. Predator” que começou como jogo e teve filme em 2004 sem status definido no cânon. Seguindo a deixa no final de “Jason Goes to Hell” em 1992, quando a luva de Freddy Krueger arrasta a máscara de Jason para dentro da terra, o combate toma forma aqui. Boa forma, por sinal.
É bom considerar que poderia ser pior. Muito pior. Trata-se de séries que já apelaram para as idéias mais absurdas numa tentativa de se manterem relevantes e novas. O próprio Jason nasceu por necessidade comercial, sem que houvesse lógica para ele existir, já que havia morrido mais de 20 anos antes de sua mãe assassinar os monitores que tentaram reabrir o acampamento Crystal Lake. Mais tarde, ele se tornou um zumbi invulnerável e até uma minhoca demoníaca que possuía hospedeiros. Sim, poderia ser bem pior que uma premissa envolvendo um vilão manipulando o outro para seus próprios fins, até que é um bom plano, no fim das contas. “Freddy vs. Jason” começa com o pé direito, apesar de sua sequência de introdução cafona.
Só posso reclamar de fato de aspectos pontuais. O elemento cafona se apresenta principalmente em dois elementos: a música e a física. Reclamar da música é dizer que Harry Manfredini faz falta. E como faz. A abordagem agressiva de heavy metal e representa os piores momentos musicais do filme, soando como a primeira e mais óbvia idéia para acompanhar cenas de ação violentas e intensas, uma associação genérica e tão pouco inspirada quanto é eficiente. Ao menos outros momentos trazem algo que varia entre bom e insosso, nunca chegando no nível das melhores trilhas de ambas as séries.
“Freddy vs. Jason” peca também na física. Sim, na física. O que isso significa, exatamente? Em palavras simples, que o diretor Ronny Yu decide desrespeitar as leis básicas da física para bem além do que costuma ser aceito em filmes, como pular de alturas e não quebrar um tornozelo. Um golpe de facão envia a vítima voando como um boneco socado por Superman. Jason é bem forte, mas nem isso salva a tendência de fazer as coisas voarem longe, bem longe. Isso vale até mesmo para o próprio Jason, que tem sua própria chance chega a ser arremessado pelos ares. O que pode parecer pequenice é suficiente para tirar o espectador da experiência de tão tosco.
Tosco é uma palavra peculiar para escolher como crítica a um gênero frequentemente descrito como Trash. Bem, sempre há um limite. Tirando isso e algumas deduções extraordinárias dos personagens a respeito do que ocorre entre os vilões, não tenho mais do que reclamar de “Freddy vs. Jason”. Pelo contrário, o resto do filme é exatamente o que eu sempre esperei e quis de um filme como esse. A ação, exceto pelos momentos mencionados, traz a violência criativa que fez o nome dos dois vilões, honrando o legado de cada um com o tipo de dinâmica homicida adequada: mortes brutais, cheias de sangue e improvisadas de acordo com o que está disponível, de camas a facões em chamas; assim como as manipulações da realidade dentro dos sonhos com efeitos bem visíveis na realidade. É a união profana entre dois mundos distintos.
Não vou dizer que isso traz uma variedade inacreditável à fórmula slasher. Mesmo assim, não deixa de ser notável por mesclar duas fórmulas diferentes, a força bruta e a surrealidade dividindo espaço. Nem “Sexta-Feira 13” demais, nem “A Hora do Pesadelo”. Isso é importante e até negligenciado nas avaliações porque a própria produção não toma lados descaradamente, jogando um personagem no mundo do outro. Como dito, há uma boa justificativa para os dois dividirem espaço. “Freddy vs. Jason” respeita as duas figuras separadamente e ainda mostra para quê veio quando o combate de fato começa. As lutas entre os dois são o ponto alto do filme, de longe, satisfatório e sangrento e funcional. Jason nunca morre porque é praticamente um Godzilla do terror, uma força da natureza irrefreável, absurdamente forte, embora lento; Freddy tem vantagem em seu mundo dos sonhos e é naturalmente mais ágil e fraco, compensando na sagacidade. Sabendo de todos os ícones disponíveis, é bom que tenham escolhidos esses, pois não seria tão legal ver Jason enfrentando Michael Myers, por exemplo.
Quanto aos personagens em si, só posso rasgar elogios Robert Englund em sua interpretação sempre incrível de Freddy Krueger, um ponto alto até nos mais fracos de seus filmes. Até o momento, é sua última aparição e, se for definitiva, é uma despedida digna. Ken Kirzinger não é o melhor Jason, porém faz seu trabalho bem o bastante, pecando apenas por ser lento e passivo demais. Kane Hodder e a agressividade que trouxe em sua versão do personagem sem dúvida alguma seria mais apropriado, respiração pesada e tudo mais. Ao menos a caracterização física não deixa a desejar, é um dos melhores designs de Jason, o que conta muito em um personagem que nunca fala, só mata e é conhecido principalmente por sua aparência. No fim das contas, “Freddy vs. Jason” não é a bomba atômica que poderia ter sido com ajustes finos em algumas áreas, tal como resgatar indivíduos responsáveis pelo sucesso dos personagens. Por que não Wes Craven dirigindo, Kane Hodder como Jason e Harry Manfredini na música? Com certeza muita coisa se corrigiria. Mesmo assim, dificilmente se qualifica como uma mancha em ambas as séries. Até chegou perto de ter uma sequência, que só aconteceu nos quadrinhos e incluiu a participação de Ash de “Evil Dead”, “Freddy vs. Jason vs. Ash”.