Eu me lembrava desse filme ser melhor. Vi há muito tempo, talvez nos primeiros anos do Netflix no Brasil, e havia achado uma história bonita e trágica ao mesmo tempo, uma mistura boa entre elementos infantis e soturnos numa mesma história. Lembro também que foi bastante comentado na época, com todo mundo falando que era um filme tão, tão triste, com um final de tirar lágrimas sem sombra de dúvida. Um forte candidato à classificação de “tear jerker”, no inglês, ou à categoria de “filmes para chorar” do Netflix. Bem, depois de todos esses anos, devo dizer que minha impressão de “The Boy in the Striped Pyjamas” foi bem mais morna.
Bruno (Asa Butterfield) tem apenas oito anos e vive em Berlim com sua família durante os anos da Segunda Guerra Mundial. Subitamente, todos têm de se mudar para uma casa no interior por causa do trabalho do pai (David Thewlis), um oficial do exército alemão. Num novo lugar sem crianças, sociedade ou movimento, Bruno se vê numa vida bem diferente e não tão satisfatória quanto a de antes. Isso muda um pouco quando ele sai para explorar os arredores da casa e encontra um amigo de pijama listrado que vive do outro lado de um arame farpado elétrico. Seu nome é Shmuel (Jack Scanlon), e assim começa uma bela amizade.
É um pouco triste encontrar um filme que envelheceu mal. Os mais saudosistas dirão que nada abalará ou corromperá a memória original e mais positiva, porém fica bem claro que a nostalgia não salva nada de si mesmo. É inevitável sentir o baque que mata a certeza anterior. O filme já não é tão bom. O que aconteceu? Seu gosto mudou, você está artisticamente mais sofisticado ou apenas percebeu alguma coisa que passou batida antes? Entrando no jogo da subjetividade, cem mil possibilidades se apresentam para gostar e outras cem mil para não gostar mais tanto. Pode ser que na revisita, a namorada insistiu para assistir quando se desejava mesmo qualquer outra coisa. Ver por obrigação já atrapalha o entretenimento de cara. No entanto, “The Boy in the Striped Pyjamas” deixa bem claros os motivos que fazem dele pior e podem ter passado despercebidos antes.
O enredo se centra na relação entre duas crianças que não têm muita idéia do que acontece ao seu redor. É até um pouco como “La vita è bella” e a brincadeira do protagonista para tentar poupar seu filho de viver os horrores de um regime que extermina seres humanos como se fossem pragas. “The Boy in the Striped Pyjamas” traz algo parecido na relação entre o protagonista, Bruno, e o judeu no campo de concentração, Shmuel. Um deles não entende por que o outro está preso e acha curioso ele usar pijama o dia inteiro, ignorante ao fato de ser um campo de trabalho e pior. Shmuel, por sua vez, tem que trabalhar e sabe como as coisas funcionam mais ou menos, quem obedecer e o que não fazer, sem ter idéia da ideologia por trás de seu emprisionamento e do que o futuro guarda. Eis uma história que chama a atenção já de começo por lidar com elementos bastante divergentes, inocência e crueldade, infância e guerra, trabalhando a ingenuidade dos envolvidos para exaltar a desumanidade descarada das circunstâncias. É um pouco como “Jojo Rabbit” também, pegando um exemplo mais recente.
A diferença maior, esquecendo especificidades de enredo e escolhas de gênero, é que “The Boy in the Striped Pyjamas” se coloca abaixo desses dois por ter uma história bem mais rasa, podendo ser resumida facilmente em frases curtas do começo ao fim. O garoto se muda para o interior por causa de seu pai, oficial do exército alemão; encontra um campo de concentração nas redondezas e faz amizade com um garotinho de lá; passa a entender melhor a relação entre nazistas e judeus, que ele vê sendo maltratados sem razão. O resto já praticamente entra na conclusão, e isso é melhor deixar de fora. Ademais, isso é um sinal de como as cenas são superficiais na abordagem de uma história sobre inocência ameaçada em tempos de vilania. Imagino, por exemplo, que não é preciso ser dito que o nazismo é ruim. É senso comum, então todo argumento dessa natureza deve carregar algum tipo de peso maior se não quiser chover no molhado, como no ditado popular.
Tantos filmes alcançam esse feito de formas bem diferentes. Alguns deixam as coisas num antagonismo simples e não buscam expandir ou criar nenhum argumento novo, como “Inglourious Basterds” e os nazistas sendo bucha de canhão. Não há problema nisso, o foco é outro e a abordagem funciona com a proposta de ser um filme com ação e violência cômica. Já em “The Boy in the Striped Pyjamas”, nota-se que é diferente, que as coisas mostradas apenas não são tão profundas assim. A família tem uma divisão binária entre simpatizantes e críticos do regime, e a influência deste por vezes é resumida por características e mudanças pontuais; o nazista é mal humorado, rude e trata mal as pessoas, a filha que compra o discurso nazista se transforma rapidamente em uma garota mal humorada, rude e que trata mal as pessoas. É básico demais, uma influência que encerra características e comportamentos padronizados nos indivíduos. Esse tipo de conflito entre dois lados quase configura uma relação de bem e mal, certo e errado, resultando em personagens bidimensionais. No fim das contas, vale mais pela relação entre as duas crianças principais e na escolha acertadíssima de Jack Scanlon como o garoto judeu. Ele comunica com pouquíssimas expressões e palavras a realidade que seu personagem vive, despertando pena e compaixão do espectador com muito pouco vindo de sua parte. Basta só um olhar semicerrado por causa do sol para sentir-se conectado ao personagem e sua realidade. É um papel feito para ele. Sutileza numa atuação infantil.
No fim das contas, “The Boy in the Striped Pyjamas” se apresenta como outro exemplo da influência que um final bom pode ter sobre a percepção do espectador. Tudo que veio antes pode não ter sido grande coisa. Se ao menos conseguir manter um bom nível de qualidade, sem despertar a atenção para algo negativo, é bem provável que um final bem colocado dê a impressão de que o resto valeu a pena. E o oposto também vale: um final ruim pode estragar muito, pois dá a impressão que todas as coisas boas de antes foram por nada. Mas nenhum artifício dura para sempre. Uma segunda vez assistindo, já sem sofrer o mesmo impacto da surpresa da conclusão, revela as imperfeições e tira parte do brilho daquilo que um dia foi visto com melhores olhos.