“Red Dragon” é o que odiadores de “Hannibal” esperavam. Inspirado num livro de Thomas Harris escrito ainda antes de “The Silence of the Lambs”, o filme é, na verdade, a segunda adaptação da obra. “Manhunter“, de 1986 e dirigido por Michael Mann, é a primeira vez que Hannibal Lecter aparece no cinema; sem o mesmo impacto, é claro, de “The Silence of the Lambs“, que lançou uma nova onda de popularidade do personagem com Anthony Hopkins no papel. Essa é só a garantia de que todos os livros seriam adaptados para o cinema com ele no papel.
Hannibal Lecter (Anthony Hopkins) era um famoso psiquiatra forense atuando em Baltimore, além de um bon vivant que nunca se mostrou tímido aos prazeres e luxos à sua disposição. Parte de seu trabalho envolvia uma relação próxima com o Agente Will Graham (Edward Norton), guiando-o com seu conhecimento da mente humana na investigação dos casos mais complexos sem revelar quem é de fato. Contudo, chega o dia em que a farsa acaba e Lecter acaba atrás das grades enquanto Will vai para o hospital em estado gravíssimo, aposentando-se logo após se recuperar. O agente passa a viver uma vida tranquila até ser recrutado novamente anos depois para capturar um assassino chamado Fada do Dente, fazendo Will retomar contato com seu antigo nêmesis para ajudá-lo na investigação.
Seja a intenção ter recontado a mesma história visando lucro ou não, isso não afetou a qualidade desse terceiro filme, que garante um nível alto na trilogia com Hopkins no papel. “Hannibal Rising”, uma história de origem lançada quatro anos depois, acabaria com essa sequência de acertos, mas sem o ator. Ainda em 2002, “Red Dragon” resgatava a história familiar de um policial buscando o conselho de um assassino de alto intelecto e com experiência na área criminal. Familiar. É praticamente a mesma premissa de “The Silence of the Lambs“, culpa que não pode ser atribuída ao filme porque os livros de base também compartilham essa semelhança, duas obras com sete anos de diferença e a mesma idéia. Mas tudo bem, pode servir de agrado para quem gostou do que viu em 1991 e queria algo parecido.
A parte boa é que “Red Dragon” não se trata de uma cópia carbono, tudo exatamente do mesmo jeito com apenas uma troca de personagens. Começa pelo papel principal, que não é de forma alguma uma troca de gênero, de nome e de ator com a mesma função. Mesmo sendo outro agente do FBI buscando aconselhamento, sua personalidade não poderia ser mais diferente da de Clarice Starling. Will Graham não é um estagiário a se formar pela academia, já tem anos de experiência e um histórico de solução de casos usando sua peculiar habilidade de empatia para entrar na cabeça dos criminosos. Sua relação com Lecter não possui nada de platônico ou íntimo, é profissional e quase competitiva, com toques de malícia tipicamente humana para deixá-la um pouco mais especial. Eis outra conquista de Anthony Hopkins em estabelecer um rapport forte, embora não tanto quanto com Clarice, com seu parceiro de cena, aqui interpretado por Edward Norton. Todo o departamento de elenco, na verdade, merece aplauso por surpreendentemente não dar nenhum deslize. Se há um papel menor ou mais simples, há um grande ator por trás dele, e os grandes papéis igualmente trazem performances fortes.
Até vou longe a ponto de dizer que gosto mais do vilão de Ralph Fiennes, apelidado de Fada do Dente, do que do Buffalo Bill de “The Silence of the Lambs“. Em nível de singularidade mórbida, o modus operandi e a personalidade que tornam o assassino cativante, o trabalho de Fiennes é mais poderoso em apresentar um indivíduo capaz de despertar medo; uma pessoa sinistra, cheia de energia e de nós atados em sua mente, tão torturado quanto perturbado. Mais uma importante diferença entre esse e seu predecessor. Só o título de assassino em série é compartilhado, ao passo que todo o resto resulta numa pessoa e numa história com ramificações bem distintas. Enquanto a falta de Buffalo Bill leva consigo cenas incríveis como a da senadora, em contrapartida há o arco envolvendo Reba McClane, o qual traz um ponto muito positivo na interpretação de Emily Watson e nas cenas com ela, como a do tigre.
Algo aqui parece tem um ar tradicional, quase comercial, que não me agrada muito. Não sei se é por isso que me parece que “Red Dragon” tem um pouco menos de brilho que os dois anteriores. Muito pouco menos, quase nada. Pode ser por esse e outros motivos, como a direção de Brett Rattner estar abaixo de Jonathan Demme e Ridley Scott. Ressalto que a diferença é mínima. Pequena o bastante para manter a mesma nota de “Hannibal“, mas o suficiente para estar abaixo deste último. Vindo de um filme que é uma obra de arte em termos de estilo, é um pouco decepcionante encontrar algo sem o mesmo polimento. Talvez esteja nos detalhes, como Danny Elfman substituir Hans Zimmer na trilha sonora e realizar um trabalho um pouco mais convencional, melodias no estilo de trilha sonora de cinema mesmo. Novamente, é uma reclamação quase de barriga cheia, pois Elfman é um excelente compositor e não há nada de errado em ter uma trilha sonora de cinema em um filme. Parece que falta um pouco de ambição.
E não seria absurdo afirmar que é uma aposta um tanto mais segura comparado com seus predecessores: “The Silence of the Lambs” seguiu o mornamente recebido “Manhunter“; “Hannibal” seguiu com uma história bem dissemelhante aquele considerado um dos melhores filmes de todos os tempos. Então veio “Red Dragon” e repetiu mais ou menos o que já tinha sido bem feito antes. Ainda um bom resultado, felizmente, então são poucas as reclamações. Chega a ser o contrário, as pessoas falam que esse é o melhor e mais improvável trabalho da carreira de Brett Rattner, conhecido por outros trabalhos notoriamente medíocres. Os ingredientes estavam disponíveis, a receita estava pronta, eis o resultado: um pouco mais do mesmo, ainda bem realizado.