“Moonrise Kingdom” é um lugar mágico para duas pessoas diferentes que se encontram no mundo. Sam Shakusky (Jared Gilman) acampa com seus colegas escoteiros na pacífica ilha de New Penzance, passando os dias cumprindo tarefas em grupo sem gostar muito disso, já que seus colegas fazem questão de demonstrar seu desgosto por ele. Quando Sam foge, o acampamento inteiro se mobiliza para descobrir seu paradeiro, que coincide com o desaparecimento de Suzy Bishop (Kara Hayward) de sua casa. Uma história de romance juvenil se desenrola conforme uma das maiores tempestades do século se aproxima.
É engraçado como a partir de uma certa idade, as crianças gostam de procurar coisas de gente grande. Pode ser contando para os amigos que o tio deixou dirigir o carro na fazenda — mesmo que por 50 metros a 10km/h — só para dizer que dirige desde os 16 anos. Também acontece de mentir que beijou não sei quem na boca ou que conseguiu fazer sexo antes que todo mundo, tudo para se destacar de alguma forma. Mas nem sempre há uma motivação de destaque social, às vezes é só uma ansiedade de crescer que cria situações engraçadas como tentar convencer o balconista da locadora a deixar alugar um filme que só maiores de 16 anos podem ver ou fazer uma identidade falsa e comprar cerveja no posto. Curiosamente, isso inverte conforme o tempo passa e as coisas de gente grande já não têm a mesma graça.
Eis que chega o momento em que as coisas de criança voltam a se tornar interessantes. Dirigir, que parecia ser a tarefa mais prazerosa do mundo, perde a graça nos primeiros meses, no primeiro acidente, na décima barbeiragem enfrentada e no trânsito que faz escutar rádio mais do que se gostaria. Poder entrar em qualquer sessão de cinema muitas vezes significa poder pagar do seu dinheiro para ver a mais nova porcaria multimilionária. O que se perde nessa pressa de crescer e ter o poder tão almejado dos adultos? A inocência e a ausência de responsabilidades, quem sabe. Há alguma coisa que separa essas duas grandes fases da vida e faz sentir que cada uma tem suas vantagens perdidas. Felizmente, nada é definitivo e a conciliação dos benefícios de cada fase é possível, de formas mais concretas relacionadas ao processo de desenvolvimento pessoal até formas mais simples como a oportunidade que “Moonrise Kingdom” apresenta de conhecer um mundo infantil criado por adultos, a união de dois universos supostamente distintos que compartilham muito em comum.
É como acontece muito com a Pixar e com o Estúdio Ghibli: usam a animação, pejorativamente chamada de desenho animado, para contar histórias tão sérias quanto qualquer outra tradicional. Já não é novidade o argumento de que as boas animações servem para adultos pelo seu conteúdo e para crianças pela apresentação colorida e humor, quase todo crítico falou que “Inside Out” é maduro e inteligente por abordar temas como depressão infantil sem cair na melancolia de um drama. Já o contrário não acontece com tanta freqüência. Há poucas produções infantis com atores reais bem sucedidas em comparação com animações maduras. “Moonrise Kingdom” é um dos poucos exemplos em que consigo pensar e Wes Anderson, seu diretor, um dos poucos a saber usar o melhor dos dois mundos.
Tudo fica mais sério ou adquire um tom de realismo quando atores de verdade estão envolvidos. Parece até que os padrões de análise mudam, a visão da audiência sobre uma obra que nunca aparentou nada errado em seu formato original de animação. Basta ver o uniforme laranja com azul e o cabelo espetado de Naruto no anime e o que acontece nas convenções de cultura pop. Aliás, essa é uma comparação desproporcional até, pois vários filmes com orçamento farto para pagar especialistas de todas as áreas criam blasfêmias contra o produto original. Tudo porque às vezes a presença de atores de verdade muda a dinâmica de movimentação e estilo, torna ridículas as coisas antes legais. Pois bem, “Moonrise Kingdom” é um filme infantil em todos os sentidos. Ele quer ser infantil. Ele conta uma história sobre crianças. Ele adota convenções de desenhos animados e comédia pastelão intencionalmente. Ele traz cenários que parecem com a realidade, só que não muito, claramente uma versão estilizada dos lugares de sempre. E ele funciona.
Isso é o mais fantástico, porque várias cenas soariam ridículas se descritas em texto. Algumas mais perto do final, então, até exigem uma dose razoável de suspensão de descrença para funcionar, mesmo tendo absorvido a entonação antes. “Moonrise Kingdom” se porta de acordo com suas próprias regras e as estabelece muito bem para nunca cair no ridículo de ver um formato escancarando suas fraquezas por causa de má adaptação. É bobinho, reconhece essa qualidade e a abraça, aproveitando os benefícios de dobrar as regras tradicionais da vida real para o benefício da comédia e dos caprichos estilísticos de Anderson.
E o melhor nem é isso porque o filme não é particularmente hilário nem tenta ser, seu objetivo é aproveitar as simplicidades da infância, as mesmas que ficam no passado e deixam saudade, e resgatá-las em uma historinha criada pela proficiência que os anos trazem. Sua premissa simples até teve de ser estendida no parágrafo acima, senão seria só uma linha descrevendo a idéia central de duas crianças fugindo juntas, curta como uma música dos “Beach Boys” de dois minutos e pouco sobre amor jovem, só que são 94 minutos de cenas humildes e aparentemente sem muito conteúdo. Claro que mais tarde, quando tudo se amarra, elas se mostram coerentes porque isso não é “Pequenos Espiões”, é uma aventura de criança ciente dos conflitos e peculiaridades dessa fase.
“Moonrise Kingdom” foi um pouco diferente do esperado. Na verdade, não sei ao certo se esperava alguma coisa, provavelmente não. A surpresa provavelmente foi pelo fato da obra ser tão boa e tão diferente ao mesmo tempo, conseguindo encontrar em sua identidade ímpar uma forma de preservar a máxima do entretenimento. Então, não, não é mais um filme revolucionário e artístico que poucos entendem e conseguem apreciar, é bem acessível porque todos já foram crianças e conseguem se relacionar quando o diretor traz uma vasta compreensão do tema em uma história que exalta sua essência jovial a despeito do formato contra-intuitivo. Só um detalhe pequeno foi um pouco incômodo: Wes Anderson é conhecido por sua estética impecável e por composições quase invariavelmente balanceadas, simétricas e centralizadas. Em alguns momentos parece excessivo.