A última vez que vi “Airplane!” foi há quase 10 anos na casa de uma amiga, quando outro convidado não sabia o que colocar na TV e do nada decidiu colocar essa comédia mais conhecida por mim pelo seu título brasileiro curioso. Pensei na época que havia coisa melhor para fazer do que assistir a “Apertem os Cintos… o Piloto Sumiu!”, especialmente com um título de “Sessão da Tarde” como esse, então decidi conversar com o pessoal, mexer no computador ou no celular. Peguei apenas alguns trechos e desde então nunca mais vi inteiro. Isto é, até essa semana, quando finalmente decidi ver se o título bobão tinha algo bom por trás.
Ted Striker (Robert Hays) passa por maus bocados com Elaine (Julie Hagerty), sua namorada que já não aguenta mais a situação turbulenta e decide abandoná-lo de vez para começar uma vida nova. Ele não está pronto para encarar isso e toma a decisão de tentar uma última vez reconquistar a garota, comprando uma passagem para o vôo em que ela vai trabalhar como aeromoça. E isso é o menor dos problemas. Os pilotos e parte dos passageiros passam mal depois de comer o peixe servido e o avião fica sem piloto. Ted, o único com algum conhecimento de pilotagem, se torna a única chance da viagem não acabar em desastre.
Engraçado escrever essa premissa agora e perceber que ela não dá absolutamente nenhum indicativo de que “Airplane!” é uma comédia. Há romance, um protagonista traumatizado pelo seu passado na guerra e o perigo do avião cair e matar todos ali; o romance está em apuros e o protagonista deve enfrentar seus medos, o de comprometimento e de reviver seus tempos como piloto. É um filme de tragédia, praticamente. Mal se pode dizer que é uma das dez comédias mais engraçadas de todos os tempos do Instituto Americano de Cinema. Sem uma premissa absurda como dois homens se vestindo de mulher para conseguir tocar numa banda e fugir da máfia, é fascinante como a história na prática se desenvolve normalmente, com os beats principais sendo respeitados desde o começo e o humor extraído em cada brecha que se abre.
E como descrever uma comédia que tem seu maior sucesso por fazer boas piadas? Complicado. Gostaria de poder dizer que “Airplane!” é tão bem dirigido quando “The Apartment” e goza de uma história boa por trás de toda a fachada do humor. O mais próximo que posso chegar é dizer que a espinha dorsal da obra se parece muito com uma obra séria. E imagino que isso não seja coincidência, pois os diretores perceberam tanta semelhança com “Zero Hour!”, filme sério de 1957 de eventos parecidos, que tiveram de comprar os direitos para poder realizar uma refilmagem. Eis a grande diferença que tom e gênero têm sobre um enredo de eventos quase iguais, a mesma jornada fazendo uns rirem de respostinhas sagazes e deixando outros tensos com o iminente acidente com personagens queridos.
Bem, “Airplane!” tem boas piadas. É isso que posso dizer dele, em poucas palavras, e ainda dar uma descrição razoável da obra e sua estrutura. O espaço de um avião é limitado, dificilmente a escolha para uma comédia física como as de Charlie Chaplin e Buster Keaton, então resta depender dos atores entregar diálogos dos mais absurdos e de situações propositalmente lidadas sem o mínimo de sensatez. Basta pensar em um problema e na pior forma como ele poderia ser gerenciado: esses são os passageiros do avião agindo. Ninguém sabe o que fazer, os três pilotos da cabine estão desacordados e as pessoas não conseguem evitar fazer besteiras. Ou melhor dizendo, fazendo as coisas que tornam toda a viagem tão divertida. Suas atitudes aleatórias só possuem como objetivo a piada e o riso do espectador.
A definição perfeita de “Airplane!” é uma trama comum adicionada do maior número de piadas que os criadores conseguiram pensar. Exceto pelo começo, praticamente todos os diálogos são trocas de bordões ou mal-entendidos prolongados, conversa de louco generalizada. É como se a equipe de roteiristas e diretores tivesse pensado em todas as piadinhas possíveis dentro do contexto do avião e juntassem num mesmo roteiro. É até surpreendente que o resultado tenha sido fluído e coeso como foi ao invés de outras obras que exibem uma característica seccionada, episódica, com as divisórias claras entre trechos. Difícil de dizer se é a trama bobinha envolvendo o pouso improvisado do avião que mantém tudo unido, mas certamente há algo que evita que a experiência perca o sentido e pareça uma coletânea desleixada de anedotas. Talvez sejam tantas que não há como parar e analisar estrutura porque tudo está sempre indo tão rápido.
Uma das 10 melhores comédias de todos os tempos? Não. Uma que eu pretendo ver outras vezes? Com certeza. “Airplane!” não é um trabalho de gênio. Imagino que ninguém esperava isso ao ler “Apertem os Cintos… o Piloto Sumiu!”, porém não quer dizer que faltem momentos icônicos, falas icônicas e cenas que exigem que o espectador reconheça a qualidade do humor na sua frente. Com truques que não são poucos e passando por diferentes tipos de comédia a cada nova gracinha, nunca se chega a dizer que a atmosfera fica entendiante. Uma hora é um personagem burro causando um desastre, em outra é humor negro do mais polêmico provocando as pessoas sensíveis ou uma bobagem envolvendo piloto automático que acabou por virar um símbolo amplamente reconhecido do filme. Pode não estar entre as melhores, é muito boa ainda assim.
1 comment
Talvez tenha faltado informar que nos anos 70 tivemos uma safra de filmes catástrofe, começando por Aeroporto, e entendo que esse filme é uma sátira ao estilo. O que o deixa mais saboroso ainda.